Captulo Gua e Sistema Tampo
Captulo Gua e Sistema Tampo
Captulo Gua e Sistema Tampo
HCl → Cl− + H+
H2SO4 → HSO4− + H+
H3C–COOH → H3C–COO− + H1
NH4+ → NH3 + H+
H3C–NH3+ → H3C–NH2 + H1
HA → A + H +
ou
HB+ → B + H +
O íon (Cl–, HSO 4– etc.) — ou a molécula (NH 3, H 3C– NH 2) — resultante da dissociação é denominado base conjugada
do ácido, já que pode receber um próton, convertendose novamente no ácido conjugado respectivo.
Alguns ácidos, chamados ácidos fortes, dissociamse totalmente quando em soluções diluídas — é o caso, por
exemplo, de HCl e H 2SO 4. Outros, os chamados ácidos fracos, ionizamse muito pouco. Para estes ácidos, podese
escrever:
HA ⇌ A + H +
Esta equação indica que, em solução aquosa, o ácido fraco HA dissociase, produzindo as espécies A e H + que,
juntamente com a parte não dissociada, HA, compõem um equilíbrio químico. A constante de equilíbrio desta dissociação
é:
Em reações deste tipo, a constante de equilíbrio é geralmente chamada constante de dissociação ou de ionização,
representada por K a. A Tabela 1.1 apresenta alguns ácidos fracos e os valores de sua constante de dissociação e de seu pK a
(pK a = – log K a). São todos ácidos fracos, mas com forças ácidas variáveis — quanto menor o valor de K a (ou maior o valor
de pK a) mais fraco será o ácido e mais forte será a sua base conjugada. O significado de pK a está detalhado na Seção 1.2.
* Os dados da tabela referemse a 25°C. A 37°C, o valor da constante de dissociação (K a) do ácido carbônico é 2,7 × 10 – 4M e o pK a é
3,57. No plasma humano, nas condições atmosféricas habituais, esses valores mudam para 8,1 × 10 – 7M e 6,1, respectivamente.
Na realidade, embora a maior parte dos prótons adicionados associemse a A, uma pequena parte fica livre, em solução.
O valor final da concentração de [H +] será, portanto, um pouco maior do que antes da adição; o de A será menor e o de HA,
maior. Desta forma, o valor da constante de equilíbrio é mantido:
Quando se adiciona um álcali ao sistematampão, o resultado é análogo ao caso anterior. Os íons OH –, provenientes de
um álcali como NaOH, associamse com prótons do meio, formando H 2O.
OH – + H + ⇌ H 2O
A adição do álcali corresponde, portanto, à retirada de prótons do meio. Neste caso, o equilíbrio químico que constitui
o tampão reagirá por dissociação do ácido HA. Entretanto, nem todos os prótons que se associaram a OH – serão repostos
por esta dissociação — se isto ocorresse, novamente terseia uma variação no valor da constante de equilíbrio:
O que efetivamente ocorre é que a dissociação do ácido repõe a maior parte, mas não todos os prótons que se
associaram a OH –. Haverá, portanto, uma diminuição da concentração de prótons, ou um aumento no valor do pH, muito
menor, entretanto, do que aquele que ocorreria se não houvesse reposição alguma, como no caso da adição do álcali à água
ou a uma solução de NaCl.
Neste caso, a concentração final de H + será um pouco menor do que a inicial; a de A, maior; e a de HA, menor,
mantendo o equilíbrio:
Concluindo, dissociando o ácido quando se adiciona um álcali ou associando próton e base conjugada quando se
adiciona um ácido forte, o sistematampão previne variações acentuadas de pH. Esta propriedade é consequência da
existência concomitante das formas ácido e base conjugada e, embora a soma (HA + A) permaneça sempre constante, a
concentração das espécies varia de acordo com o tipo — H + ou OH − — e a quantidade dos íons adicionados.
Uma situação apresenta interesse particular: na faixa de pH em que a ação tamponante é exercida haverá,
obrigatoriamente, um valor de pH em que exatamente 50% do total inicial do ácido estão associados, os 50% restantes
estando na forma de base conjugada. Tal condição será verificada em um valor de pH definido e característico para cada
tampão. É nesta situação, ou é neste valor de pH, que o sistematampão tem sua eficiência máxima, por existirem,
simultaneamente, as maiores concentrações possíveis de ácido e base conjugada. Ao redor deste valor de pH, uma unidade
acima ou uma unidade abaixo (região assinalada na Figura 1.1), o tampão ainda é eficaz; além deste intervalo, o sistema
deixa de atuar como tampão.
A determinação do pH em que há 50% de dissociação do ácido pode ser obtida experimentalmente por titulação:
tomandose uma solução de um ácido fraco e medindose o valor de pH após cada pequena adição de álcali, obtêmse
valores que são representados pelo gráfico da Figura 1.1 a. A curva de titulação apresenta uma região achatada,
correspondente à região de tamponamento, onde há pequenas variações de pH para adições fixas de ácido ou álcali. No
centro desta região, o ponto de inflexão da curva corresponde ao valor de pH em que há 50% de dissociação e [HA] = [A].
Entre os ácidos fracos, existe uma gradação de força ácida, revelada pelo valor de suas constantes de dissociação
(Tabela 1.1). Soluções de ácidos fracos diferentes, de mesma concentração, apresentam valores diferentes de pH,
dependendo da afinidade de cada base conjugada pelo próton: quanto maior o valor de K a, menor esta afinidade e mais
forte será o ácido fraco.
Suponhamse dois ácidos fracos, HA e HB, sendo a constante de dissociação (K a) de HA maior do que a de HB. A base
conjugada A tem, então, afinidade pelo próton menor do que a base conjugada B e o ácido HA é um ácido fraco mais forte
do que HB. Se estes ácidos forem dissolvidos em água, o ácido HA irá dissociarse mais do que o ácido e o pH de sua
solução será menor.
Admitase que ambas as soluções dos ácidos fracos HA e HB estejam em pH igual a 2 (isto pode ser conseguido
adicionandose um ácido forte às duas soluções. Para proceder à titulação dos dois ácidos, a partir de pH 2, acrescentase
álcali, gradativamente, a estas soluções, o que provocará a dissociação dos ácidos. Após a adição de uma quantidade
conveniente de álcali, haverá uma situação em que 50% do ácido HA estará dissociado, mas menos do que 50% do ácido
HB encontrarseá dissociado. O valor do pH nesta situação poderia ser 5, por exemplo. Em outras palavras, em pH igual a
5 o ácido HA encontrase 50% dissociado. Para obter situação análoga para o ácido HB há necessidade de adicionar mais
álcali, ou seja, o ácido HB vai apresentarse 50% dissociado em um valor de pH mais alto. Graficamente, as duas curvas de
titulação terão a mesma forma, mas localizadas em alturas diferentes em relação à escala de pH (o eixo das ordenadas na
Figura 1.1 a).
O valor de pH em que um ácido fraco apresentase 50% dissociado equivale ao seu pK a. O pK a corresponde ao
cologaritmo da constante de dissociação do ácido (– log K a) e constitui, como esta, uma medida da sua força ácida: quanto
maior for o valor do pK a (ou menor o valor de K a) mais fraco será o ácido (Tabela 1.1). Ainda mais importante, o valor do
pK a revela a região de pH em que um ácido fraco apresenta seu maior poder tamponante.
A equação de Henderson-Hasselbalch relaciona pH, constante de dissociação do ácido e as concentrações de ácido e base
conjugada
Considerese a dissociação do ácido fraco HA:
HA ⇌ A + H +
Esta é a equação de HendersonHasselbalch, que nada mais é do que a equação da constante de equilíbrio de
dissociação de um ácido fraco tomada sob a forma logarítmica.
Em um determinado valor de pH, o ácido encontrase 50% dissociado, [HA] = [A] e a razão [A]/[HA] vale 1, obtendo
se:
pH = pK a
Verificase, pela equação de HendersonHasselbalch, que pK a é o valor de pH que provoca 50% de dissociação do
ácido. A equação define o pK a em bases operacionais, à semelhança do pH em relação à concentração de H + da solução.
De maneira genérica, esta equação pode ser escrita da seguinte maneira:
A equação de HendersonHasselbalch permite calcular, em qualquer pH, a razão entre as concentrações das espécies
doadoras e aceptoras de prótons para um sistematampão, desde que o pK a do ácido seja conhecido. Por exemplo, para o
tampão acetato podese calcular a razão das concentrações de ácido acético (H 3C– COOH) com pK a = 4,7 e acetato (H 3C–
COO –) em pH = 5,7:
ou
No pH 5,7, portanto, haverá 10 vezes mais acetato do que ácido acético. No pH 3,7 ocorrerá o inverso. Generalizando,
em valores de pH inferiores ao pK a de um ácido fraco predomina a sua forma protonada (ácido conjugado) e, em valores de
pH maiores do que o pK a, predomina a forma desprotonada (base conjugada).
Para o tampão acetato, a faixa compreendida entre 3,7 e 5,7 (entre pH = pK a – 1 e pH = pK a + 1) corresponde à região
achatada da curva de titulação, isto é, à região de tamponamento (assinalada na Figura 1.2). Fora destes limites, a
concentração de ácido conjugado fica desprezível em relação à de base conjugada, ou viceversa, e o sistema não se
comporta mais como tampão. Assim, em pH 6,7 temse:
Uma solução que contivesse inicialmente 101 moléculas de ácido acético apresentaria no pH = 6,7 uma única
molécula do ácido e 100 íons acetato. Neste pH, a solução não se comportaria mais como tampão, pois, com tão pequena
concentração de ácido, seria incapaz de resistir a adições de álcali.
As afirmativas sobre este exemplo são válidas para a imensa maioria dos sistemastampão: a melhor atuação do tampão
se dá em valores de pH próximos ao seu pK a (um caso excepcional encontrase na Seção 1.4).
O ácido acético ilustra a regra geral para a escolha do ácido fraco com o qual se pretende preparar uma soluçãotampão:
o ácido fraco constituirá um tampão apropriado se o valor de seu pK a estiver dentro do intervalo compreendido por uma
unidade abaixo e uma unidade acima do valor de pH que se quer manter constante.
H 2CO 3 ⇌ HCO 3− + H +
O valor de seu pK a é 3,8, incompatível com o tamponamento fisiológico. O ácido carbônico apresenta, todavia, a
característica peculiar de estar em equilíbrio com o CO 2 dissolvido em água segundo a reação:
CO 2 + H 2O ⇌ H 2CO 3
No organismo humano, o CO 2 formado nos tecidos, como produto do metabolismo celular, difundese para o plasma e
para o interior das hemácias. Estas células contêm uma enzima, a anidrase carbônica, uma das enzimas mais eficientes que
se conhece, capaz de acelerar a reação de hidratação do CO 2 por cerca de 10 7 vezes — o CO 2 dissolvido é transformado
imediatamente em H 2CO 3, que se dissocia em HCO 3− e H +:
CO 2 + H 2O ⇌ H 2CO 3 ⇌ HCO 3− + H +
A constante de equilíbrio do sistematampão bicarbonato a 37ºC pode ser calculada a partir da constante de equilíbrio
da reação de hidratação do CO 2 (3 × 10 −3M) e da constante de dissociação do ácido carbônico (2,7 × 10 −4M) — o valor da
nova constante é 8,1 × 10 −7M e o do novo pK a é 6,1. A equação de HendersonHasselbalch para este sistematampão torna
se:
O CO 2 dissolvido no plasma está em contato com o CO 2 atmosférico através do espaço alveolar, permitindo um rápido
ajuste da concentração de H + quando esta tende a variar. O tampão bicarbonato constitui, por isto, um sistema aberto,
muito mais eficiente no controle do pH do que um sistema fechado. Realmente, supondo o sistema fechado, uma adição de
ácido forte (H +) faria com que a maior parte dos prótons combinasse com a base conjugada (HCO 3–), diminuindo sua
concentração e aumentando a concentração do ácido (CO 2). A razão [HCO 3–]/0,03 • pCO 2 ficaria muito diminuída, e o pH
assumiria um valor muito baixo. Como o sistema é aberto, a mesma adição de prótons faz diminuir a concentração de base
conjugada, mas não aumenta a concentração de ácido conjugado, já que a concentração de CO 2 ajustase rapidamente à
pressão parcial deste gás na atmosfera. A relação entre as concentrações de HCO 3– e CO 2, neste caso, diminui, porém muito
menos do que no caso do sistema fechado. Em outras palavras, no sistema fechado, a adição de ácido provoca uma queda
de pH muito maior do que no sistema aberto. O fato de o sistema bicarbonato ser um sistema aberto é que permite sua
eficácia na manutenção do pH plasmático.
No pH fisiológico (7,4), a proporção entre as concentrações de HCO 3– e CO 2 é de 20:1, mostrando que o sistema é mais
efetivo para resistir à acidificação do que à alcalinização. O estudo do funcionamento associado deste sistematampão com
a hemoglobina está descrito na Seção 3.3.3.
O tampão fosfato (H 2PO 4–/HPO 42–) tem pK a igual a 6,8, constituindo um tampão apropriado para valores de pH entre
5,8 e 7,8. No plasma, porém, a concentração deste tampão é muito baixa, tornando sua eficiência muito reduzida.
Intracelularmente (pH do citosol ≅ 7), sua concentração é maior e sua eficácia é considerável.
Bibliogra䊅�a
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