Justiça Estadual - Um Panorama Descritivo
Justiça Estadual - Um Panorama Descritivo
Justiça Estadual - Um Panorama Descritivo
Faculdade de Direito
Teoria Geral do Processo 1
Prof. Dr. I'talo Fioravanti Sabo Mendes
INTRODUÇÃO
O sistema judiciário brasileiro, desde sua concepção até seu pleno funcionamento atual,
passou por diversas modificações ao longo da história do Direito nacional. É sabido que
algumas concepções se mantiveram, tal qual o modelo de justiça descentralizado. E outras
mudaram, como a organização e o funcionamento dos tribunais e comarcas brasileiros.
Este trabalho tem o objetivo de abordar panoramicamente, de modo claro e objetivo,
mas sem o simplismo, um aspecto do sistema judiciário nacional: a Justiça Estadual. Para isso,
faremos primeiro uma abordagem historiográfica da formação dessa Justiça. Adiante,
esmiuçaremos como que compõe o Poder Judiciário Estadual. Em outras palavras, exporemos
a organização da Justiça Estadual, quais órgãos que o compõe, quais competências deles e qual
a estrutura da de funcionamento. É sabido que cada uma das unidades da federação possui uma
dinâmica própria do Poder Judiciário Estadual, de modo que o que abordamos foi uma síntese
dos aspectos comum-constitucional desse poder.
Feito isso, adentramos em alguns conteúdos muito contemporâneos, dos quais só foram
pensados e implementados após a promulgação da Constituição de 1988. Falamos, portanto, da
cooperação entre a Justiça Estadual e os diversos outros moldes do sistema judiciário brasílico.
Nesse escopo, adentra a organização, a função e a dinâmica do Ministério Público Estadual,
bem como a Defensoria Pública dos Estados, órgãos que integra os judiciários e são
participantes ativos da Justiça Estadual. O Conselho de Justiça Estadual é também órgão que
integra essa seara e garante uma justiça imparcial, além de contribuir com a complexificação
do sistema judiciário estadual. Feito isso, falaremos, por fim, da Justiça Militar Estadual, órgão
que também integra os moldes do judiciário concebidos pela Carta Magna de 1988.
Portanto, a Justiça Estadual é complexificada, visto que possuímos 27 moldes
diferentes. Daí porque o nosso trabalho busca não só apresentar de forma estruturada uma
Justiça Estadual que obedece aos predicados constitucionais, mas que também tem suas
particularidades. Especificidades essas que não integram o escopo, mas que são reveladas e
incentivadas a serem pesquisadas e debatidas.
1
Almotacés é um tipo de burocrata régio que atuava sob nomeação da Coroa portuguesa no Brasil com atribuições
de inspeção. Além disso, esse cargo da administração pública tinha o “poder de polícia”, visto sua atuação como
o que hoje denominados de “oficial de justiça. (REZENDE, Claudia de Andrade de. Os Almotacés e o exercício
da almotaçaria na Vila de São Paulo (1765-1800). FAPESP: Pesquisa de Iniciação Científica, 2014-2016).
Senhora das Neves (1688), São Cristóvão (1696), São Paulo (1700), Santa Maria Madalena
(1709), Vila Rica (1711), Sabará (1711), São João del-Rei (1713), Vila do Príncipe (1720),
Mocha (1722), Paranaguá (1723), Aquiraz (1723), Vila do Bom Jesus de Cuiabá (1728), Vitória
(1732), Vila Boa de Goiás (1733), Santo Antônio (1734), Santa Catarina (1749), Cairu (1763)
e Porto Seguro (1763) (CUNHA, Mafalda Soares da; NUNES, António Castro; 2016).
Adiante, no século XIX, as estruturas das instituições judiciárias na América portuguesa
e depois no Brasil independente enfrentaram profundas transformações. Com a vinda da família
real portuguesa para o Brasil, em 1808, o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro foi
transformada em Casa da Suplicação pelo Alvará régio de 10 de maio daquele ano, equiparado
hierarquicamente à Casa de Suplicação de Lisboa (SCHWARTZ, Stuart B; 1979). Ou seja, o
Rio de Janeiro agora era epicentro da burocracia da Coroa e emanava de lá o sistema jurídico-
administrativo, bem como o lócus da política (CARVALHO, José Murilo de; 2019).
Após o contexto histórico da independência brasileira, ocorrida em 1822, a Constituição
do Império, outorgada em 1824, regulamentou o Supremo Tribunal de Justiça e determinou a
criação de Tribunais de Relação para o julgamento das causas em segunda instância. Veja a
sessão que dispõe sobre a organização do Poder Judiciário:
TITULO 6º
Do Poder Judicial.
CAPÍTULO UNICO.
Dos Juizes, e Tribunaes de Justiça.
É nessa Constituição que o Poder Judiciário era submetido ao rigor do Poder Moderador
do Imperador3, ao mesmo tempo que o Supremo Tribunal de Justiça não detinha, até o ano de
1875, competência para revisar os julgados dos Tribunais da Relação das províncias ampliados
a partir de 1873. É aqui se desenvolve o fulcro da Justiça Estadual.
A história das atuais Justiças Estaduais retrocede aos tempos coloniais, quando foram
criadas as Capitanias e Comarcas e instalados os primeiros Tribunais de Relação do Brasil:
Bahia, em 1609; Rio de Janeiro, em 1751; Maranhão, em 1813; Pernambuco, em 1822.
No final do Império, pelo Decreto n. 2.342, de 18734, foram criadas mais sete Tribunais
de Relações, consolidando-se as quatro então existentes no total de 11 tribunais (BRASIL,
1873), dispondo seu artigo 1º, parágrafo 1º:
2
BRASIL, 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso
em 06 abr. 2022.
3
O Poder Moderador era regido pelos artigos 98, 99, 100 e 101 da Constituição de 1824. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em 05 abr. 2022.
4
Decreto nº 2.342, de 6 de agosto de 1873. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-
1899/decreto-2342-6-agosto-1873-550798publicacaooriginal-66847-pl.html. Acesso em 05 abr. 2022.
Assim, a partir da Proclamação da República e instituição do regime federativo pela
Constituição de 1891, foi mantida a estrutura da maioria das Relações existentes. Ademais,
cada estado teve autonomia para criar a própria estrutura judicial, tendo sido instalada a maior
parte dos atuais Tribunais de Justiça com denominações variadas, como Tribunal de Apelação,
Superior Tribunal de Justiça e Relação da Justiça.5
Veja o que diz a redação constitucional da época:
5
Ver Manual de Gestão de Memória do Poder Judiciário / Conselho Nacional de Justiça. Programa Nacional
de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) – Brasília: CNJ, 2021. ISBN 978-65-88014-70-
7. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/02/Manual_de_Gestao_de_Memoria.pdf.
Acesso em 05 abr. 2022.
6
BRASIL, 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso
em 06 abr. 2022.
2. ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA ESTADUAL: COMPETÊNCIAS E
ÓRGÃOS
A Justiça Estadual trata-se de um dos cinco segmentos de justiça que compõem o Poder
Judiciário brasileiro. Junto com a Justiça Federal integra a justiça comum, esta responsável por
julgar matérias fora do âmbito de atuação da Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça
Militar. A Justiça Estadual tem competência residual, visto que sua responsabilidade consiste
em buscar soluções de conflitos que não sejam de competência de qualquer ramo da Justiça
Especializada e da Justiça Federal (CNJ, 2021; STF, 2019).
A regulamentação da Justiça Estadual está nos artigos 125 e 126 da Constituição da
República Federativa do Brasil. Em respeito à autonomia estatal que acontece mediante a
observância dos princípios constitucionais, de acordo com o expresso no art. 125, §1º, a
Constituição do Estado terá o papel de definir a competência dos tribunais, a considerar que a
lei de organização judiciária é de iniciativa do Tribunal de Justiça. Posteriormente, no § 2º,
institui aos Estados a competência de instaurar “representação de inconstitucionalidade de leis
ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada
atribuição da legitimação para agir a um único órgão” (BRASIL, 1988, Art. 125).
O texto constitucional estabelece também a possibilidade do Tribunal de Justiça
funcionar descentralizadamente por meio da constituição das Câmaras regionais com o intuito
de “assegurar pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo” (BRASIL,
1988, Art. 125), a instalação da justiça itinerante pelo Tribunal de Justiça e, segundo posto no
art. 126, a criação por parte do Tribunal de Justiça de varas especializadas com competência
exclusiva para questões agrárias, visando. Somado há a Justiça Militar Estadual, criada pela lei
estadual mediante proposta do Tribunal de Justiça.
A Justiça Estadual está presente em todas as unidades da Federação e representa o maior
volume de litígios no Brasil, pois se encarrega das questões mais comuns e variadas, tanto na
área civil quanto na criminal (STF, 2011). No que tange à organização da Justiça Estadual, cada
Estado tem a atribuição de fazê-la, o único caso que não se aplica tal norma é o do Distrito
Federal e Territórios, cujas organização e manutenção são feitas pela União (CNJ, 2021).
O poder judiciário estadual, em suas atribuições, é divido em primeiro e segundo grau
sendo cada qual responsável por um papel definido pelas Constituições Estaduais. Mesmo que
seja de plena autonomia dos entes federados, ao tomar como base três diferentes constituições
(BA, SP e RS), percebeu-se que as estruturas judiciárias não se alteraram. Assim sendo, o
primeiro grau é constituído pelos juízes de Direito, varas, fóruns, tribunais do júri, juizados
especiais e turmas recursais e os antigos tribunais de alçada. Já o segundo grau é formado pelos
Tribunais de Justiça e seus desembargadores. Para melhor entendimento, nos parágrafos
seguintes será destrinchada a competência dos componentes de cada grau de jurisdição.
"quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e
do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público,
com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de
reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados
em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.”
Diante disso, a cooperação judiciária nacional tem como finalidade contribuir com o
intercâmbio e o auxílio mútuo entre juízos, dando mais fluidez aos atos processuais. Portanto,
é aprovável que sua aplicação aconteça na prática de qualquer ato processual que deva ser
atendido com rapidez (art. 68, CPC 2015), por isso, o pedido de cooperação não exige uma
forma específica de encaminhamento. Ainda assim, o Código Processual Civil (art. 69)
apresenta alguns instrumentos de execução da cooperação nacional.
Tais instrumentos são: I) auxílio direto, que consiste no intercâmbio imediato de
informação entre juízos distintos, evitando formalidades, como a expedição de carta precatória;
II) reunião ou apensamento de processos, tais quais envolvem a verificação de conexão ou
continência entre ações, a fim de evitar a prolação de decisões conflitantes; III) prestação de
informações, que compreende à simples comunicação entre juízos sobre processos que
tramitam em seus relativos tribunais, podendo a informação ser prestada por meio eletrônico,
dispensando formalidades; IV) atos concertados entre juízos, os quais devem ser
compreendidos como acordos entre juízos para a prática de atos processuais específicos, por
exemplo: citação, intimação, apresentação de provas, efetivação de tutela provisória etc.; V)
cartas de ordem, precatória e arbitral, que visam o cumprimento de atos processuais fora dos
limites de competência do juízo solicitante.
Nesse sentido, as normas de cooperação servem para qualquer espécie de processo, seja
ele um processo civil, eleitoral ou trabalhista (art. 15, CPC). E servem também ao processo
penal, pela força de aplicação do artigo 3º do CPP e da inexistência de reagravamento sobre
assunto no Direito Processual Penal. Sob essa perspectiva, o artigo 6º, XV da Resolução
350/2020 do CNJ estabelece como parte da cooperação judiciária nacional a “transferência de
presos”.
À vista disso, na pretensão do exercício colaborativo, coerente e desburocratizado da
justiça, os estados buscam cada vez mais aprimorar seus Núcleos de Cooperação Judiciária,
inseridos na composição da Rede Nacional de Cooperação Judiciária pela mesma Resolução do
CNJ citada anteriormente. De maneira concisa o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás pontua
que:
Entre as diferenças existentes entre a Justiça Militar e a justiça comum, a que mais se
destaca é a que se refere ao fato de que, enquanto na justiça comum a atuação jurisdicional é
sempre feita por um juiz togado, que será o responsável por analisar o caso, na Justiça Militar
nós temos uma estrutura que é chamada de “escabinato”: conceito para o conjunto de julgadores
existentes nessa área do judiciário. O escabinato é composto por um Juiz Federal – da justiça
Militar da União -, um Juiz de Direito – da Justiça Militar dos Estados e Distrito Federal – e
quatro militares – Juízes Militares – de carreira, formando assim o Conselho de Justiça.
Uma outra característica especial da Justiça Militar estadual reside no fato de que nem
todo estado possui uma Justiça Militar, já que, como consta no art. 125, § 3°, a lei estadual
poderá criar Justiça Militar estadual somente no Estados com efetivo militar superior a vinte
mil integrantes.
Quando partimos para os Estados que possuem Justiça Militar Especializada, podemos
citar apenas três: São Paulo; Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Nos Estados que não possuem
tal jurisdição, os julgamentos são feitos pelo juízo comum. Nesses Estados onde há justiça
especializada, a competência jurisdicional se dá em duas instâncias: a primeira com as
Auditorias da Justiça Militar Estadual (AJME) e a segunda com o Tribunal de Justiça Militar
Estadual (TJM).
Haja vista o exposto, no âmbito da Justiça Militar Estadual, conclui-se que, por se tratar de
uma vertente do Direito Militar, temos nessa área do judiciário várias propriedades únicas, que
se mostram extremamente necessárias para o correto funcionamento dessa área do Poder
Judiciário Estadual.
CONCLUSÃO
Comarcas, fóruns, varas, juiz, desembargador, Ministério Público. São palavras que fazem
parte do cotidiano daqueles que pertencem a esse universo judiciário, em especial o estadual e cada
um possui seu significado e sua importância para o bom funcionamento da justiça. Assim sendo, o
conhecimento sobre seus papeis no ordenamento nesse espaço discutido é fulcral para aqueles que
desejam entender como funciona todo o processo, além de ser de necessidade em momentos em que
requer tais compreensões. Ademais, em outra seara, a justiça militar também integra a justiça estadual
e está longe de pertencer ao imaginário popular em primeiro lugar sobre sua existência e em segundo
lugar sobre suas funções. Talvez os conceitos mais básicos sejam estejam no dia a dia das casas dos
brasileiros, entretanto, o entendimento sobre esse campo militar é limitado àqueles que se aprofundam
na temática.
REFERÊNCIAS
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