Algumas Questoes Sobre Trib Juri

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 19

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI

Fábio Dutra1

“E sem perda de tempo, congregaram os jurados que, escolhidos por sorteio, elevavam-
se a 559. Todos habituados a julgar criminosos comuns que, face aos juízes, nada mais
faziam senão implorar misericórdia. Jamais se haviam defrontado com um acusado
como Sócrates, um filósofo...”2

Sumário: 1 – Introdução. 2 – Origem histórica do Tribunal. 3 – O Tribunal do Júri no


Brasil. 3.1 – A Jurisdição Penal no Brasil Colônia. 3.1.1 – A Jurisdição nas Capitanias
Hereditárias. 3.1.2 – A Jurisdição no Governo Geral. 3.2 – O Júri no Império. 3.3 – O
Júri na República. 3.3.1 – O Júri na Constituição de 1891. 3.3.2 – O Júri na
Constituição de 1934. 3.3.3 – O Júri na Constituição de 1937. 3.3.4 – O Júri na
Constituição de 1946. 3.3.5 - O Júri na Constituição de 1967. 3.3.6 - O Júri na Emenda
Constitucional de 1969. 4 - O Tribunal do Júri na Constituição de 1988. 4.1 – A
plenitude da defesa. 4.2 – O sigilo das votações. 4.3 – A soberania dos veredictos. 4.4 –
A competência para o julgamento pelo Júri. 4.5 – A obrigatoriedade do recurso. 4.5 –
O Tribunal do Júri e o Duplo Grau de Jurisdição. 5 – Conclusões. 6 – Bibliografia.

O Tribunal do Júri nas Cartas Políticas Brasileiras:

1 – Constituição do Império: artigos 151 e 152: “o poder judicial é independente, e


será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime,
nos casos e pelo modo que os códigos determinarem”; “os jurados se pronunciam sobre
o fato, e os juízes aplicam a lei”. 2 – Constituição de 1891: artigo 72, § 31: “é mantida
a instituição do júry”; 3 - Constituição de 1934: artigo 72: “é mantida a instituição do
júry, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”; 4 - Constituição de 1937
(omissa); 5 - Constituição de 1946: artigo 141, §28: “é mantida a instituição do júri,
com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número de seus
membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu a soberania dos
veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida”. 6 - Constituição de 1967: artigo 150, §18: “são mantidas a instituição e
a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a
vida”. 7 - Constituição de 1969: artigo 153, § 18: “é mantida a instituição do júri, que
terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. 8 - Constituição de
1988: artigo 5º, inciso XXXVIII: “é reconhecida a instituição do júri, com a
organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) - o sigilo das
votações; c) - a soberania dos veredictos; d) - a competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida”.

1 – Introdução

O julgamento popular tem sido apresentado no decorrer dos tempos como a mais
legítima manifestação da justiça, por garantir ao povo, diretamente, o exercício da
função jurisdicional e a imposição da pena àquele que violar a norma estabelecida para
todos os membros de uma determinada comunidade ou para justificar aqueles que ela
julgasse não merecedor de pena.
Não sem uma forte resistência, vemos que, constituição após constituição, o tribunal
popular tem sido mantido e prestigiado como uma prática sadia e benéfica aos interesses
da sociedade. Isso fez também a vigente Carta Magna.

CARLOS ALBERTO TORRES DE MELO, para quem o Tribunal do Júri é a grande


vitrine da Justiça, afirma que muitos têm sido os adversários do Tribunal do Povo, ao
longo de sua existência; todos acirrados e intransigentes nas suas críticas. Dizendo-se
um dos que se posicionam a favor do conselho popular, esclarece não serem menos
numerosos os seus defensores fiéis, ardorosos e cada vez mais unidos.3

O Júri, segundo ADILSON MACABU, na cerimônia de entrega da medalha do mérito


da Justiça Criminal do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, em 18 de fevereiro de
1998, “é uma instituição política, acolhida entre os direitos e garantias individuais, pois,
no artigo que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, dispôs expressamente
ser reconhecida a instituição do júri” .4

JOSÉ FREDERICO MARQUES alinha-se com aqueles que consideram o Júri “como
o menos indicado dos tribunais para a difícil e delicada missão que está afeta à justiça
penal hodierna”, acrescentando que o júri “foi apontado outrora, como instituição
democrática destinada a substituir os magistrados profissionais das justiças régias do
ancien régime, que se curvavam às ordens dos dinastas de quem dependiam. No entanto,
a independência dos juízes togados no estado de direito e as transigências dos jurados
com os ’senhores do dia’ em democracias de pouca vitalidade ou em regimes
autoritários mostraram que no plano político não há mais razão para a manutenção do
Júri”.5

2 – Origem histórica do Tribunal

A origem do júri tem sido reivindicada por vários países e atribuída a diversos outros.
Os ingleses dizem que tal instituição lá surgiu, negando, inclusive, que tenha sido
introduzida no solo britânico pelos normandos; os franceses a reivindicam para a
França, assegurando que, meio século antes de Guilherme II, ali já existia uma assisa; os
russos a consideram nascida ali; e os escandinavos a reclamam para aquela região.
Outros a atribuem aos romanos, aos hebreus, aos gregos, etc.

VICENTE GRECO FILHO, em sua obra Manual de Processo Penal, leciona que “a
origem remota do júri é atribuída aos centeni comites de Roma, mas certamente a figura
pode ser dada como nascida na Inglaterra, a partir de Henrique II, por volta do ano
1100. No correr da história e nos diversos países, apresentou ele grandes variações de
estrutura, como o escabinado (tribunal misto, em que o juiz togado também vota), de
origem germânica ou franca e o assessorado, de origem italiana. O júri inglês, aliás, se
desdobra em grande júri, que decide sobre a forma de culpa, e pequeno júri, que profere
o julgamento definitivo”.6

PINTO FERREIRA também credita a forma definitiva do júri à Inglaterra, “no reinado
de Henrique II, depois da conquista normanda”. Acrescenta que “é muito antiga a
origem do júri, já com os dikastas gregos, muito embora tenha existido um júri sob
forma rudimentar na Grécia, como também em Roma. A propósito convém lembrar que
a eclesia julgava crimes. Tácito mostra inclusive na obra De Situ ac Populis
Germaniae a existência de um júri, é certo que sob forma rudimentar, entre os
germanos, eslavos, normandos e dinamarqueses”.7

MAGARINOS TORRES, no seu Instrução para Jurados, citado por ARY AZEVEDO
FRANCO, também alinha-se com aqueles que consideram ter tido a instituição do Júri
origem na Inglaterra. Elogiando o tribunal que ele presidia no Rio de Janeiro, então
Capital da República, dizia que “...a antiga instituição, virtualmente inglesa, que se
impôs à adoção do mundo civilizado pelo conceito filosófico sobre o crime, variante
com os tempos e lugares, também criou raízes no Brasil; e, discutida, embora, quanto ao
seu funcionamento, foi sempre defendida como garantia suprema das liberdades
cívicas”8.

RONALDO LEITE PEDROSA afirma que no artigo 48, da Magna Charta, de 1215,
pode ser vislumbrada com facilidade a espinha dorsal do júri, pelo qual obtiveram os
ingleses a garantia de que qualquer súdito somente seria julgado pelos próprios
concidadãos e não mais pelos prepostos do rei. “Ninguém poderá ser detido, preso ou
despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus
pares segundo as leis do país”9, diz o citado dispositivo da Charta Magna.

Nos Estados Unidos, acrescenta PEDROSA, essa milenar instituição “ganhou relevo
especial, com uma composição de doze jurados para, simbolicamente, lembrar os doze
apóstolos, devendo a decisão ser tomada sempre por unanimidade, podendo os jurados
sempre confabular para chegarem a um veredicto: culpado ou inocente”10.

Após discorrer brevemente sobre o júri no país norte-americano, PEDROSA fala sobre
essa instituição no Direito brasileiro, lecionando que aqui “o júri é composto de sete
membros que decidem por maioria de votos, em votação secreta, sorteados no dia do
julgamento dentre vinte e um alistados, previamente escolhidos na sociedade.
Anualmente é feita a escolha em uma lista de trezentos a quinhentos nomes e, para cada
sessão de julgamento, um menor de dezoito anos deve fazer o sorteio dos vinte e um”11.

Os processos do Tribunal do Júri se desenvolvem em duas fases: a) – o judicium


accusationis (juízo de acusação) que vai da denúncia até o trânsito em julgado da
sentença de pronúncia; e o b) - judicium causae (juízo de mérito) que começa com o
libelo e vai até a sentença de mérito.

E conclui que “no dia do julgamento, também por sorteio, são definidos os sete
integrantes do conselho de sentença. Pela nossa lei é vedado aos jurados se
comunicarem entre si ou com qualquer outra pessoa, durante o julgamento, acerca do
feito em tela”.12

3 – O Tribunal do Júri no Brasil

3.1 – A Jurisdição Penal no Brasil Colônia

Não se pode conceber, na fase primitiva de nossa Nação, um sistema judiciário


estruturado e em condições de resolver, a tempo e a hora, as questões suscitadas pelos
antigos moradores da Colônia. Aliás, ainda hoje não temos um Poder Judiciário que
passa a preencher tais expectativas. O Judiciário foi sendo organizado na medida em
que surgia a demanda pelos serviços jurisdicionais, sendo pouco debatido o Direito
Indígena entre nós, além do indiscutível fato de ter sido totalmente desprezado pelo
colonizador português.

3.1.1 – A Jurisdição nas Capitanias Hereditárias

Em 1531 foi inaugurada a colonização com a expedição de Martim Afonso de Souza.


Os primeiros documentos investiam os donatários de poderes administrativos e
jurisdicionais em seus termos. “Trazia Martim Afonso de Souza o título de capitão-mor,
com jurisdição e alçada, tanto no crime como no cível, que lhe davam autoridade de um
verdadeiro locotenente do soberano”13.

“Com a introdução do sistema das capitanias hereditárias em território brasileiro,


estabelecia-se uma estrutura social feudal encimada à distância pelo rei, tendo seu
desnível o donatário e o sesmeiro ou colono. De tal situação surgiram direitos e deveres
recíprocos e peculiares do próprio desnivelamento e autoritarismo aliado ao ambiente
físico em que se formava o prenúncio da sociedade brasileira, ambiente este propício ao
excesso e às extravagâncias dos donatários que se sentiam senhores absolutos”.

“Durante este período histórico, o direito exercitado em território nacional era um


bloco único, formado paradoxalmente por um grande volume de documentos
heterogêneos entre os quais tinham relevância especial, as Cartas de Doação e os Forais
assim como as Cartas Régias, os Alvarás e os Regimentos, vigorando ainda as
Ordenações do Reino e as leis gerais da Coroa”14.

ROCHA POMBO, em sua História do Brasil, homenageia os donatários que iniciaram


a dura tarefa de colonizar a nação, mesmo que tenha sido inevitável um choque cultural
entre os conquistadores europeus e os índios nativos. Quanto aos poderes dos
donatários, relata que o capitão tinha “plena jurisdição no cível. Nomeava ouvidor e
todos os funcionários do foro. Criava freguesias, vilas; ouvidorias e os necessários
ofícios. Presidia, por si próprio, ou por seu ouvidor, a eleição dos juízes e oficiais das
câmaras, etc. No crime, o capitão e seu ouvidor têm jurisdição conjunta, com alçada até
pena de morte inclusive quanto a escravos, peões e homens livres comuns, sem apelação
ou agravo. Quanto a pessoas de ‘mor qualidade’ porém (fidalgos, juízes, clérigos, altos
funcionários, etc.) a alçada vai até 10 anos de degredo e cem cruzados de multa (salvo
nos crimes de heresia, traição, sodomia e moeda falsa, nos quais a alçada se estende até
a pena de morte inclusive, qualquer que seja a qualidade do réu)”15.

Ao monarca estava assegurada a nomeação, dentre outros, do “ouvidor, supremo


funcionário judicial nas capitanias e por cujo intermédio atuavam os donatários no
âmbito civil e penal”.16

ANTÕNIO CARLOS WOLMER afirma que “... o Direito vigente no Brasil-Colônia


foi transferência da legislação portuguesa contida nas compilações de leis e costumes
conhecidos como Ordenações Reais, que englobavam as Ordenações Afonsinas (1446),
as Ordenações Manuelinas (1521) e as Ordenações Filipinas (1603). Em geral, a
legislação privada comum, fundada nessas Ordenações do Reino, era aplicada sem
qualquer alteração em todo o território nacional. Concomitantemente, a inadequação, no
Brasil, de certas normas e preceitos de direito Público que vigoravam em Portugal
determinava a elaboração de uma legislação especial que regulasse a organização
administrativa da Colônia”.17
EDUARDO BUENO, em seu livro Capitães do Brasil, A Saga dos Primeiros
Colonizadores, afirma que “nada pode ser mais revelador do fracasso das capitanias do
que as agruras que o destino reservou para os capitães do Brasil. Um deles, Aires da
Cunha (do Maranhão), morreu em naufrágio; outro, Francisco Pereira Coutinho (da
Bahia), foi morto e devorado pelos Tupinambá. Um terceiro, Pero do Campo Tourinho
(de Porto Seguro), acusado de heresia, foi preso por seus próprios colonos e enviado pra
a Inquisição. E houve ainda o caso de Vasco Fernandes Coutinho, que – viciado em
Tabaco e ‘bebidas espirituosas’ – perdeu o controle sobre a capitania do Espírito Santo,
onde investira todos os seus bens. Ao morrer, em Portugal, não tinha nem mesmo ‘uma
mortalha que o cobrisse’, e sua mulher e filhos acabaram seus dias desamparados, num
hospital de caridade”18.

3.1.2 – A Jurisdição no Governo Geral

Como resultado do crescimento econômico de algumas das capitanias, do frustrante


declínio de outras e para por cobro aos desmandos dos capitães, que não viam limites ao
seu poder, quis o monarca lusitano estabelecer um Governo Geral no Brasil. Afinal as
comunicações entre as colônias já prenunciavam o Brasil de dimensões continentais que
viria a existir no futuro.

O já citado ROCHA POMBO menciona dentre tantas motivações para a criação do


Governo Geral no Brasil Colônia as seguintes razões: “uniformizar a administração de
todo país; submeter os donatários a uma autoridade superior; instituir justiças menos
ilusórias, que pusessem mais ordem na vida das colônias; reprimir abusos do fisco, e
salvaguardar os interesses da real fazenda; ativar a conquista e o povoamento; em suma,
organizar a ordem política no domínio”.

O Governador deveria “fundar uma fortaleza e povoação grandes na Bahia, de onde se


possa dar favor e ajuda às demais povoações, e prover nas coisas da justiça, direitos das
partes e negócios da real fazenda”. Já em 1948 os regimentos delinearam o novo
regime, pondo a justiça fora da alçada exclusiva dos capitães, sendo instaladas em todas
as capitanias a justiça do rei.

Em resumo, no Brasil-Colônia não havia a instituição Tribunal do Júri que só viria a


ser criada numa fase posterior da nossa história. Nesta fase, como não poderia ser
diferente, todo o poder estava concentrado nas mãos do capitão hereditário.

3.2 – O Júri no Império

No século XVIII começaram a soprar na Europa novos ventos de liberdade, sendo


escritas muitas obras contra as penas então vigentes: Cesare de Bonesana, Marquês de
Beccaria, em 1764, escreveu o clássico Dos Delitos e das Penas. ROUSSEAU escreveu
o Contrato Social e MONTESQUIEU o Espírito das Leis.

A independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa também influíram para


novos tempos.
No Brasil, D. Pedro I instituiu os juízes de fato, em 18 de junho de 1822, para o
julgamento dos crimes de imprensa. Posteriormente foram instituídos os juízes
criminais, os quais deveriam aplicar a Constituição Portuguesa de 1821. Mesmo com a
independência do Brasil, em 07 de setembro de 1822, continuaram em vigor as
Ordenações Filipinas. A primeira Constituição Brasileira é a Carta do Império de 1824.

Em 1832, foi editado o primeiro Código de Processo Criminal, o qual já previa o


habeas corpus. AURELINO LEAL disse, a respeito do Código de Processo Criminal do
Império, ser ele “a mais brilhante vitória no domínio da justiça”. PANDIÁ
CALÓGERAS afirmou ser ele “um formoso monumento do saber jurídico e do espírito
liberal”. CÉSAR TRÍPOLIi disse ser “um expoente da cultura jurídica”. CARPENTER
disse ser um código “simples, claro, apto a infundir tranqüilidade e segurança”.

Não se pode olvidar que, embora no Brasil-Colônia já vivêssemos em um estado de


imperialismo, somente em 1822, surgiu o júri, através de ato do então príncipe regente,
D. Pedro I, influenciado pelo Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e
Silva. E esse júri não guarda grandes similitudes com a nossa atual instituição, pois
visava apreciar infrações relacionadas ao abuso de liberdade de imprensa.

O Código de Processo Criminal fixou a competência para o julgamento de vários tipos


de crimes, dispondo que haveria dois conselhos de jurados: o júri de acusação e o júri de
sentença.

Em 1841 a Lei 261, de 03 de dezembro, cerceou o funcionamento do Júri ao qual


Magarinos Torres chamava de “garantia suprema das liberdades cívicas”19, sendo
grande a reação de notáveis intelectuais brasileiros, os quais obtiveram a reintegração
das prerrogativas do Tribunal Popular em 1871 e a extensão de sua competência a toda
matéria criminal.

3.3 – O Júri na República

A República brasileira é conseqüência da derrocada do velho modelo, que Hélio Silva


diz ter sido um regime artificial, visto que a Monarquia em nosso País, único Império
nas Américas, nascera de condições especiais, capazes de criar uma situação, mas não
de estabilizá-la,20. Resultado da investida de Napoleão Bonaparte contra Portugal,
tradicional aliado da Inglaterra, e extremamente benéfico ao nosso desenvolvimento, o
Império restou esvaziado com a derrota do Corso.

Com a exclusão da família real do contexto político brasileiro, por força da


Proclamação da República, obra dos militares, várias novidades foram introduzidas, em
decorrência do novo sistema representativo. A Igreja formalmente desvinculou-se do
Estado; a industrialização deu um salto impressionante; a mão-de-obra escrava foi
substituída pela assalariada; a liberdade espiritual foi proclamada; o casamento civil foi
instituído; o recenseamento eleitoral foi feito; foi concedida a naturalização de todos os
estrangeiros residentes no Brasil, etc.

3.3.1 – O Júri na Constituição de 1891

O regime republicano manteve a instituição do Júri iniciada no Império. A Carta


constitucional de 24 de fevereiro de 1891 no artigo 72, § 31, inseria o Tribunal do júri
como uma das garantias outorgadas a brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. A
reforma constitucional levada a efeito em 1926 não alterou o conteúdo do referido
dispositivo.

A forte influência norte-americana foi sentida em diversos momentos, sendo marcante


a adoção do sistema federativo e a possibilidade concedida aos estados de escreverem
os seus próprios códigos de processo. Isso fez surgir perplexidades, na medida em que
surgiram muitas normas processuais regionais contraditórias.

Nessa linha de raciocínio, e socorrendo-nos, mais uma vez, de Ary Franco sabemos
que “a cargo das legislações estaduais passaram a competência do Tribunal do Júri e o
rito processual dos crimes de sua competência, havendo, portanto, a maior diversidade
de leis sobre o assunto e todas elas tendentes a restringir essa competência, apesar do
preceito constitucional dispor que ficaria mantida a instituição”21.

3.3.2 – O Júri na Constituição de 1934

A Constituição de 1934 foi chamada por AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO de


“flor de estufa que não se enraizava na tradição nacional, que só poderia durar se as
elites dominantes se apresentassem unidas em sua defesa. Mas a realidade era o
contrário disso. As ambições e os ódios só se uniam em uma direção, que era a de
destruir as instituições reconquistadas a custo. O futuro estava a vista, sem disfarce.”22

CELSO RIBEIRO BASTOS afirma que “não foi a Constituição de 1934 que pôs em
derrocada a de 1891, uma vez que esta já se encontrava substituída pelo Decreto n.
19.398, de 11 de novembro de 1930, que instituiu juridicamente o Governo Provisório
oriundo da Revolução vitoriosa”23.

Salienta o referido constitucionalista que, sobre esta Carta, dois tópicos mostram-se
relevantes, chamando a atenção daqueles que a analisam: o primeiro diz respeito às
múltiplas divergências que dividiam as forças político-ideológicas da época; o segundo
refere-se à sua curtíssima duração, cerca de três anos.

Inspirada na Carta de Weimar, de 1919, a referida Carta Política instituiu a democracia


social. Herança da Revolução de 30, manteve a instituição do Júri, “com a organização
e as atribuições que lhe der a lei”, inserindo o dispositivo a ele referente na seção
declaração de direitos (artigo 72).

3.3.3 – O Júri na Constituição de 1937.

A Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937 silenciou a respeito do Tribunal do


Júri, não o incluindo como garantia constitucional, como o fizera a Constituição Federal
de 1891 e nem o inserindo na enumeração dos órgãos do Poder Judiciário, como o fez a
Carta Política de 1934. Rosah Russomano diz que “a Carta dessa data riscou a
instituição de seu texto”24.

A princípio surgiram vozes considerando que a instituição teria sido extinta; outras
lhes contrapunham, asseverando ter sido mantido o conselho popular. Entre os
primeiros levantaram-se o Min. Costa Manso em entrevista ao jornal O Globo, em 13 de
novembro de 1937, e o professor Cândido Mendes de Almeida, em artigo publicado
pelo Correio da Manhã. O primeiro reconsiderou o seu posicionamento, reconhecendo
que o júri foi mantido apesar da omissão da Carta de 1937.

O juiz Magarinos Torres desde logo filiou-se à corrente contrária e, em posição


candente, sustentou que o júri não era incompatível com a novel Carta Política e nem
com os princípios dela decorrentes. Magarinos indagava se a falta de referência à
instituição na nova Carta bastava para considerá-la abolida. E ele mesmo respondia que
não, argumentando que o referido texto não enumerava os órgãos do Poder Judiciário
nos estados e no Distrito Federal, caso único em que a omissão teria tal sentido, e que,
nem por isso, poder-se-ia considerá-la extinta. “Fora disso, prosseguiu, só por
incompatibilidade com os outros princípios aí estabelecidos, ou conceitos formais,
poderia entender-se extinto o Júri”.25

O Governo, na vigência da Carta Política de 37, nomeou uma comissão para elaborar
uma nova lei sobre o Júri, composta de Magarinos Torres, Antônio Vieira Braga,
Nelson Hungria e Narcélio de Queiroz. O resultado dos trabalhos da referida comissão
foi o Decreto 167, de 5 de janeiro de 1938, em cuja Exposição de Motivos o ministro
Francisco Campos declarou: “É motivo de controvérsia a sobrevivência do Júri após a
Constituição de 10 de novembro. Argumenta-se que a nova Carta Constitucional
tacitamente aboliu o Tribunal Popular, de vez que não faz menção dele, deixando de
incluí-lo entre os ‘órgãos do Poder Judiciário’ enumerados no ser art. 90. A
improcedência do argumento é, porém, manifesta”. O grande jurista prossegue sua
peroração para concluir que “se outros méritos não tivesse o tradicional instituto (são
bem conhecidos os argumentos formulados em seu favor) teria, pelo menos, o de
corresponder a um interesse educacional do povo e o de difundir, no seio deste, a nítida
noção e o apurado sentimento da responsabilidade que lhe cabe como participante da
atividade do estado”26.

Apesar de mantida a instituição, que veio a ser estruturada pelo Decreto-lei n° 177, foi-
lhe negada soberania, podendo os tribunais de justiça reformar suas decisões, desde que
consideradas manifestamente contrárias às provas dos autos.

3.3.4 – O Júri na Constituição de 1946

A Carta Política de 1946, resultado do “processo de liquidação do Estado Novo”, foi


estruturada sobre a Constituição de 1934, que serviu de projeto. “Este projeto foi votado
pela Assembléia, mediante pareceres verbais dos relatores para os pedidos de destaque.
Assim progrediu como rapidamente o trabalho, de forma que a redação final do texto
pôde ser promulgada no dia 18 de setembro”27.

Essa Constituição foi a mais pródiga ao disciplinar o tribunal do júri, estabelecendo


uma série de requisitos que não poderiam ser dispensados pelo legislador ordinário e
nem pelo julgador. Está assim redigido o seu texto: “é mantida a instituição do júri, com
a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre impar o número de seus
membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania
dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida” (artigo 141, §28).

ROSAH RUSSOMANO lembra que “a Constituição de 1946, como uma reação à


situação vivida de 1937 até a reconstitucionalização do país, valorizou a garantia,
dedicando-lhe minúcias, atinentes à sua estrutura e à sua competência. Esta seria
obrigatória nos crimes dolosos contra a vida. Seus veredictos permaneceriam intocáveis
à Justiça comum”28.

3.3.5 - O Júri na Constituição de 1967

“Instrumentalmente, dois defeitos abreviaram a vida da Constituição de 1946. O


primeiro (verdadeiro absurdo no regime presidencial) residia na possibilidade de o
presidente e de o vice-presidente serem eleitos por partidos diferentes. O segundo era a
coexistência do voto proporcional, com o regime presidencial”29.

A Constituição Federal de 1967, de forma singela, dispôs que seriam mantidas “a


instituição e a soberania do júri que terá competência no julgamento dos crimes dolosos
contra a vida” (§18, do artigo 150), não se referindo à sua composição, ao sigilo das
votações, à plenitude da defesa do réu e à soberania dos veredictos.

ROSAH RUSSOMANO afirma que o verbo manter teria abarcado a instituição como
um “sistema de fundo e não como regra de superfície’, de sorte que não se cogitou
jamais de desfigurar o tribunal, tornando-se, v.g., restrita a defesa ou público o voto dos
componentes do conselho de sentença”, acrescentando que a expressão “é mantida
instituição do júri... equivale à conservação do mesmo, em toda sua essencialidade”30.

3.3.5 - O Júri na Emenda Constitucional de 1969.

O ato político de 1964, que aqui não se pretende estudar, deixou marcas em todos os
setores da vida nacional, não só pela profundidade de suas medidas, mas também pelo
tempo de sua duração. Durante aproximadamente vinte anos os militares comandaram a
vida pública, interferindo em todos os setores: da economia à saúde, da segurança à
educação, das empresas privadas às públicas, dos esportes ao judiciário, ...

A Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969, no capítulo da Declaração


de direitos, suprimindo a locução soberania, dispôs ser ”mantida a instituição do júri
que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida” .

A redação trouxe perplexidade aos doutrinadores e aplicadores da lei, entendendo


alguns que, “apesar de omitir-se referência à soberania do júri, a mesma se conservava,
implicitamente embora. Os veredictos prolatados pelo tribunal popular prosseguiriam
intocáveis ao pronunciamento de órgãos judiciários”. Outros, entretanto, “com melhor
razão, penetrando mais a fundo no espírito da Lei fundamental reformulada, concluíram
diversamente, encontrando no dispositivo atinente à matéria um esvaziamento sensível
da instituição secular”31.

ROSAH RUSSOMANO, pugnado por uma tomada de posição pública quanto à


manutenção ou não do tribunal popular, que acreditava ter sido mutilado pelo texto
supremo, considerou que “o ideal estaria, não no meio termo, que a Constituição
Consagrou, mas sim numa determinação drástica e autêntica32... até que o país pudesse
emergir das sucessivas crises que o vêm perturbando, para, enfim, superada a ordem
institucional e estabelecida exclusivamente a ordem constitucional, alcançar um clima
de completa normalidade na esfera jurídico-política”33.
4 - O Tribunal do Júri na Constituição de 1988

A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXVIII, diz ser garantida a
plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência
dos crimes dolosos contra a vida.34

JOSÉ AFONSO DA SILVA afirma que a inserção do Tribunal do júri no capítulo


relativo aos direitos e garantias fundamentais e no capítulo relativo aos direitos e
deveres individuais e coletivos constitui garantia jurisdicional penal protegendo o
indivíduo contra atuações arbitrárias.

Acrescentou que “a garantia de julgamento pelo tribunal do júri nos crimes dolosos
contra a vida e, ainda mais, com as garantias subsidiárias da plenitude da defesa, do
sigilo das votações dos jurados e da soberania dos veredictos” (inc. XXXVIII), vale
dizer que “outro tribunal não pode reformar o mérito da decisão do júri; pode anular o
processo por vício de forma, não mudar o mérito do julgamento”.35

4.1 – A plenitude da defesa

Quanto à garantia da plenitude de defesa, repisa a Carta Magna sua preocupação em


reafirmar o conteúdo programático que orientou sua elaboração. Seja em processo
judicial, seja em procedimento administrativo, a defesa é imprescindível, garantida e
assegurada pela Lei Maior, sob pena de nulidade, conseqüência inevitável de conflito
com a norma constitucional.

UADI LAMEGO BULOS leciona que “a plenitude de defesa assenta-se na


possibilidade de o acusado se opor ao que contra ele se afirma. Trata-se de uma variante
do princípio da ampla defesa (art. 5°, LV). Significa que, no processo penal, se requer
defesa técnica substancial do réu, ainda que revel (art. 261, do CPP), para que se
verifique a realização efetiva desse mandamento constitucional. Há também de ser
observado o artigo 497, V, do CPP, que manda que seja dado defensor ao réu, quando o
magistrado o considera indefeso. Demais disso, se houver defesa desidiosa, insuficiente,
tendenciosa, incorreta tecnicamente, por parte de advogado do réu, o feito deve ser
anulado e nomeado outro defensor, sob pena de violação à plenitude de defesa,
assegurada pela Constituição de 1988”.36

Não se pode conceber a plenitude da defesa, simplesmente como o direito do réu de ser
assistido por um advogado. Importante que se lhe assegure a escolha de um profissional
de sua confiança, capacitado e com disponibilidade de tempo para tratar dos seus
interesses. Isso seria ideal.

A plenitude se revela, ainda, na garantia da realização das investigações que


antecedem à sentença de pronúncia, necessárias à formação da convicção quanto à
remessa do feito a julgamento pelo Tribunal do Júri e das diligências subseqüentes,
necessárias ao embasamento da tese defensiva a ser apresentadas aos jurados quando do
julgamento em plenário.

4.2 – O sigilo das votações


No tocante ao sigilo das votações, abandonou-se a iniciativa tomada por alguns
magistrados, quanto à permanência do réu na sala secreta, quando da tomada dos votos
dos jurados. Entendiam tais juízes que o sigilo constitucionalmente assegurado se
restringia ao conteúdo dos votos, não alcançando o direito que julgavam assistir aos
acusados de permanecerem no recinto no momento em que apreciados os quesitos pelos
jurados.

Um dos motivos que embasavam tal entendimento tinha repouso no próprio texto
constitucional, segundo o qual “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade... (art. 93, inc.
IX).

O referido dispositivo, no entanto, na sua parte final, assegura ser possível que a lei,
“se o interesse público o exigir, limite a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados ou somente a estes”.

A jurisprudência, chamada a se manifestar sobre isso, pôs fim ao impasse, afirmando a


constitucionalidade das disposições do Código de Processo Penal que estabeleciam que
o julgamento seria realizado na sala secreta, sem a presença do réu.

4.3 – A soberania dos veredictos

A soberania dos veredictos ou das votações compreende a impossibilidade de


reforma no plano do mérito, pelo magistrado profissional, de primeiro ou de segundo
grau, da decisão do jurado. Ao tribunal somente é dado analisar os aspectos formais,
ficando proibido de incursionar no resultado da íntima convicção do jurado.

Uadi Lamego Bulos, analisando este dispositivo constitucional, afirma que “através do
sigilo das votações a opinião dos jurados fica imune às interferências externas,
protegendo-se a livre manifestação do pensamento. Mesmo os jurados formulando
perguntas, nos momentos de dúvidas, e indagando sobre as dúvidas surgidas na leitura
dos autos ou na exposição dos fatos pela defesa técnica, a proteção ao segredo da
votação não se desfigura. Na sala secreta, através da distribuição de cédulas para coletar
os votos, o vetor constitucional processual penal do sigilo das cotações é alvo de
observância rigorosa, a fim de resguardar a decisão dos jurados”.37

O Supremo Tribunal Federal em acórdão que teve como relator o Min. OCTÁVIO
GALLOTTI, assentou que na existência de duas teses contrárias, havendo plausibilidade
na escolha de uma delas pelo corpo de jurados, o Tribunal de Justiça não poderia anular
o veredicto, deferindo o habeas corpus que buscava restabelecer a sentença que
absolvera o paciente. No caso, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça mantivera
decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a qual, salientando a exígua
maioria de 4 a 3, entendera “aconselhável e conveniente que outro Conselho de
Sentença, analisasse com esmero e acuidade, os elementos probatórios existentes nos
autos e profira um outro veredicto”.38

Em decisão da 4ª Câmara Criminal, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,


prestigiando decisão do Tribunal do Júri, em acórdão que teve como relator o
Desembargador RUDI LOEWENKRON, reconheceu que “é dos jurados o encargo de
sopesar as provas dos autos nos crimes dolosos contra a vida. Alegando o réu um álibi é
seu dever evidenciá-lo. Se não o faz legitima a valoração pelos jurados de declarações
de testemunhas, ainda que não presenciais, mas que fornecem elementos indiretos que
incriminam o réu, ajudando a formar seu juízo de culpabilidade”.39

4.4 – A competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

Quanto à competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida a doutrina
entende ser possível que a lei estabeleça outras hipóteses em que caiba o julgamento ao
Tribunal do Júri40. Aliás, não se pode esquecer que, no Brasil, o primeiro tribunal
popular tinha competência para julgar os delitos de imprensa (Lei de 28 de junho de
1822).

Aproveitando que se analisa o Tribunal do Júri, sob o aspecto constitucional,


abordemos o parágrafo único, do artigo 409, do Código de Processo Penal, segundo o
qual “enquanto não extinta a punibilidade, poderá, em qualquer tempo, ser instaurado
processo contra o réu, se houver novas provas”.

VICENTE GRECO FILHO, em seu Manual de Processo Penal, entende ser tal
dispositivo inconstitucional “por violar o princípio de liberdade de que ninguém pode
ser processado duas vezes pelo mesmo fato”. E pergunta ele: “por que nos crimes
dolosos contra a vida alguém pode sofrer o constrangimento de um processo penal sem
que isso extinga definitivamente a pretensão punitiva e nos demais crimes não? Qual a
diferença do homicídio com relação ao latrocínio, por exemplo? Neste, normalmente
muito mais reprovável, considerado, aliás, crime hediondo, a absolvição por falta de
provas impedirá qualquer nova ação penal sobre o mesmo fato”. E conclui dizendo que
“não existe mais razão social ou jurídica para que a impronúncia admita nova ação
penal sobre o mesmo fato”.41

VICENTE GRECO FILHO, na obra coletiva Tribunal do Júri, no capítulo Questões


polêmicas sobre a Pronúncia, entende ser “inadmissível, apesar de pacífica, a orientação
jurisprudencial no sentido de que a absolvição somente pode ocorrer estando
induvidosamente demonstrada uma excludente ou de que, na dúvida, deve o réu ser
remetido a júri”.

Acrescenta que “não se nega que o júri seja o juiz natural dos crimes dolosos contra a
vida, mas o é somente para os casos em que a garantia da liberdade esteja preservada
pela triagem feita pelo juiz togado da primeira fase, que deverá impronunciar ou
absolver sumariamente em todos os casos em que a condenação possa significar uma
injustiça, ainda que não prevista expressamente a hipótese no Código de Processo
Penal”.42

Mais adiante, no mesmo estudo a respeito da distinção entre impronúncia e absolvição


sumária, GRECO FILHO sustenta ser a diferença entre uma e outra radical, porque
ocorre a impronúncia se o juiz não se convencer da existência do crime ou de indício
suficiente de que seja o réu o seu autor, ocorrendo a absolvição sumária quando se
convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu
(colocar os artigos 409 e 411).

Afirma ser “inadmissível, em face do princípio constitucional do ne bis in idem, ou


seja, de que ninguém pode ser processado penalmente duas vezes pelo mesmo fato (...)
não tem sentido que se continue a aceitar que o réu não tenha sido processado, quer no
sentido teórico, quer no sentido prático, de todos os ônus que tal acarreta para o
acusado, inclusive no plano moral”.43

Há uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, admitindo o recurso do Promotor de


Justiça visando a absolvição sumária.44 Euclydes Buchalla afirma que, embora
exercesse a função de redator criminal da Editora Revista dos Tribunais, há mais de 25
anos, essa foi a primeira vez que se deparou com tese semelhante.45

4.5 – A obrigatoriedade do recurso (recurso ex-officio)

Ainda, sob o prisma da constitucionalidade, vale a pena apreciar a questão relacionada


ao recurso de ofício (ou obrigatório, ou anômalo, ou necessário), feito em obediência
ao disposto no artigo 411, do Código de Processo Penal. Tal dispositivo trata da
remessa obrigatória que se fará quando da absolvição sumária do acusado.

Alguns doutrinadores e parte da jurisprudência entenderam que a Constituição Federal


de 1988, ao conferir legitimidade privativa ao Ministério Público para a promoção da
ação penal pública, teria revogado o artigo 411, do Código de Processo Penal.

O Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul decidiu que “com o advento da nova
Constituição Federal baniu-se da administração da Justiça Criminal o sistema
inquisitivo e implantou-se o sistema acusatório, cuja característica principal é,
exatamente, a repartição, entre órgãos autônomos diversos, das funções de acusar e de
julgar. Com efeito, é o que dispõe expressamente o artigo 129, I, da CF ao estabelecer
constituir função institucional do Ministério Público promover privativamente a ação
penal pública. Assim, consistindo a apelação de ofício forma de iniciativa da ação penal
e sendo esta, quando pública, privativa do Ministério Público, segue-se como tendo sido
revogados pelo artigo 129, I, da CF as normas que obrigam os juízes a recorrer de ofício
(art. 574, I e II, do CPP e 7º da Lei 1.521) pela excrescência jurídica que encerram e
pela dicotomia decorrente do princípio processual”.46

O mesmo Tribunal, em pelo menos duas outras oportunidades, e por outras turmas,
decidiu em sentido radicalmente contrário: “Recurso ‘ex officio’. Reabilitação.
Compatibilidade com o art. 129, inc. I, da CF. Os denominados ‘recursos necessários’, a
que alude a legislação processual penal brasileira, não são verdadeira e ontologicamente
recursos, mas sim atos de impulso processual, perpetrados cogentemente pelo
magistrado, com o escopo de alcançar o provimento jurisdicional de mérito definitivo,
em hipóteses em que o legislador entendeu tratar-se de matéria relevante, dada a
presença de interesses socialmente elevados na escala axiológica. Portanto, o recurso de
ofício não se encontra revogado frente ao art. 129, inc. I, da CF. Assim, por maioria,
conheceram do recurso e, no mérito, à unanimidade, negaram provimento”.47 “O
recurso de ofício não foi extinto pelo art 129, inc. I, da constituição Federal de 1988”.48

4.6 – O Tribunal do Júri e o Duplo Grau de Jurisdição49

Embora possa parecer, à primeira vista, que a soberania das votações estaria
suprimindo o direito ao duplo grau de jurisdição, não mais expressamente previsto
como princípio na atual Constituição, não é bem assim, pois possibilitou a lei que o
feito seja submetido a uma dupla apreciação, em alguns casos:

a) em primeiro lugar, porque há um verdadeiro julgamento (de admissibilidade da


culpa, evidentemente), quando da prolação da sentença de pronúncia, da qual poderá o
pronunciado recorrer em sentido estrito;

b) em segundo lugar, o condenado poderá apelar da condenação, caso não concorde


com a mesma, fazendo o tribunal uma análise da prova produzida e, se decisão proferida
pelos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos, determinar que novo
julgamento seja realizado; tal julgamento, entretanto, sob esse motivo, somente poder
ser feito uma vez (art. 593, § 3º).

c) em terceiro lugar, sendo a condenação superior a vinte anos, o Código de Processo


Penal possibilita à defesa protestar pela realização de um novo júri (artigo 607).

Por entenderem, alguns setores da doutrina, que seria defeso ao juiz togado proferir
sentença de absolvição sumária, por não ser sua a competência para julgar os crimes
dolosos contra a vida, entendeu o Supremo Tribunal Federal ser perfeitamente
admissível que isso ocorresse, sendo constitucional tal provimento, na medida em que
“o art. 411, do Código de Processo Penal não afronta o dispositivo constitucional que
atribui ao júri a competência para julgar os delitos contra a vida” (Agravo 159.303, Rel.
Min. CELSO DE MELLO, j. 15.5.95).

O Superior Tribunal de Justiça, em decisão relatada pelo ilustre Min. WILLIAM


PATTERSON (RTJSP 128/569), decidiu que “não se aplica ao Júri a regra da limitação
à reformatio in pejus prevista para a hipótese do protesto por novo júri”, assentando que
“a soberania do Tribunal do Júri não permite que se lhe imponham limitações no
julgamento da decisão anulada, com base no princípio da reformatio in pejus indireta,
principalmente se a anulação envolveu a própria ação do julgamento”.50

5 - Conclusões

a – a Constituição Federal vigente manteve a instituição do júri, garantindo-lhe a


plenitude da defesa, o singelo das votações, a soberania dos veredictos e a competência
para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

b – a plenitude da defesa está inserida em um plano ideal, posto que por falta de
disponibilidade de elementos materiais, não é possível o esgotamento dos “meios e
recursos a ela inerentes”.

c – no plano processual a plenitude da defesa aproxima os réus hipossuficientes dos


acusados que dispõem dos recursos. Nesse sentido a Constituição Federal estabelece no
inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos.

d – ainda que a lei brasileira não tenha contemplado outra hipótese de julgamento pelo
júri, que não nos ilícitos cometidos contra a vida, a carta magna não o veda expressa ou
tacitamente.
e – a lei poderá estabelecer que os julgamentos pelo júri também abranjam questões
que não referentes “a crimes dolosos contra a vida”. Também poderá estabelecer que os
crimes culposos, os crimes contra o patrimônio, etc. sejam objeto de apreciação pelo
tribunal do popular. Até mesmo o julgamento de feitos cíveis poderiam ser acometidos
aos juízes leigos.

f – o instituto do júri é aquele que mais se aproxima das antigas formas coletivas de
julgamento em que o povo diretamente, em ambientes propícios, em praças públicas,
era chamado a proferir o veredicto a respeito de fatos relevantes da vida social.

g – a jurisprudência já pacificou a questão relativa ao sigilo das votações, decretando


que a sala secreta não foi abolida, dela não participando o réu, alijado dessa fase
processual nos termos do artigo 480, do Código de Processo Penal.

h – a soberania dos veredictos não afasta a necessidade de apreciação formal pelos


juízes das instâncias superiores, evitando-se as contradições, a imprecisão dos quesitos e
as decisões contrárias às provas existentes nos autos, por razões diversas, etc. A
soberania não cria um anteparo absoluto de indenidade em favor do veredicto proferido
pelo conselho popular.

i – há juristas que amam a instituição do júri e outros que a repudiam. Os motivos são
vários e perpassam desde a pureza do decisum proferido pelo tribunal do Júri até o alto
custo para a sua realização; dá mais validade ao julgamento plural e leigo ao pouco
preparo intelectual e cultural dos jurados.

j - a despeito das divergências entre os juristas que exercem suas atividades na seara
processual penal, a respeito da utilidade do tribunal do júri, essa instituição permanece
viva e pujante no direito brasileiro, inabalável em suas estruturas. Vive le pouvoir! Vive
la vie!

6 – Bibliografia

BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil. Coleção Terra Brasilis, Objetiva, Rio de


Janeiro, 1999.

FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional, Saraiva, São Paulo, 11ª ed.,
2001.

FILHO, Adonias. Sócrates, Ediouro, RJ.

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Direito Constitucional. Forense, Rio de Janeiro, 3ª


ed., 1987.

FRANCO, Ary Azevedo. O Júri e a Constituição Federal de 1946. Forense, RJ, 2ª


ed., 1956.

FROSSARD, Adelaide Lopes. O Direito Brasileiro – Perfil Histórico, in Ensaios


Jurídicos, Coletânea de Monografias do Curso de Especialização em Direito Privado da
UFF. Ed. EDUFF. Niterói. Organizador: Antônio Plastina, 1988.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. Editora Saraiva, São Paulo, 4ª
ed., 1997.

MELO, Carlos Alberto Torres de. Júri: Democracia que não pode faltar, in Revista de
Direito do Tribunal de Justiça, RJ, vol. 36.

LACERDA, Arthur Virmond de. As Ouvidorias do Brasil Colônia. Editora Juruá,


Curitiba, 2000.

MACABU, Adilson Vieira. Revista de Direito do Tribunal de Justiça, RJ, vol. 36.

MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, Bookseller, Campinas, SP, 1997.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, Atlas, SP, 8ª ed., 1998.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de, Comentários à Constituição de 1967; 3ª


ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987.

PARADA NETO, José. in Tribunal do Júri, coord. ROGÉRIO LAURIA TUCCI, RT,
SP, 1999.

PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em História, Imagem Virtual, Nova Friburgo, 4ª


edição, 2000.

POMBO, Rocha. História do Brasil, atual. de HÉLIO VIANNA, Vol. I,


Melhoramentos, SP, 13ª ed., 1966.

RUSSOMANO, Rosah. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Freitas


Bastos, 3ª ed., 1978.

SILVA, Hélio e CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. História da República Brasileira:


Nasce a República. Vol.I (1888/94), Editora Três, Rio de Janeiro, 1998.

SILVA, José Afonso da. Manual da Constituição de 1988, Malheiros, São Paulo,
2002.

TUCCI, Rogério Lauria et alli. O Tribunal do Júri, Estudo Sobre a Mais


Democrática Instituição Jurídica Brasileira, RT, SP, 1999.

WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil, Editora Forense, Rio de


Janeiro, 1998.

1 Juiz de Direito, Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho e Professor do


Centro Universitário da Cidade.

2 ADONIAS FILHO, Sócrates, Ediouro, RJ.

3 Júri: Democracia que não pode faltar, in Revista de Direito do Tribunal de Justiça,
RJ, vol. 36, p. 49.
4 Discurso in Revista de Direito do Tribunal de Justiça, RJ, vol. 36, p. 446.

5 A Instituição do Júri, Bookseller, Campinas, SP, 1997, p. 19.

6 Editora Saraiva, 4ª ed., 1997, p. 412.

7 Curso de Direito Constitucional, Saraiva, SP, 2001, 11ª ed., p. 139.

8 O Júri e a Constituição Federal de 1946, Forense, Rio de Janeiro, 1956, 2ª ed., p.


12.

9 Magna Charta, art. 48.

10 Direito em História, Imagem Virtual, Nova Friburgo, 2000, 3ª ed., p. 214.

11 Idem, p. 215.

12 Ob. Cit., p. 215.

13 ROCHA POMBO, História do Brasil, atualização de HÉLIO VIANNA, Vol. I,


Melhoramentos, SP, 13ª ed., 1966, p.51.

14 ADELAIDE LOPES FROSSARD, O Direito Brasileiro – Perfil Histórico. In


Ensaios Jurídicos, UFF, Niterói, 1988, p. 582.

15 Idem, pp. 60/61.

16 ARTHUR VIRMOND DE LACERDA, As Ouvidorias do Brasil Colônia. Juruá,


Curitiba, 2000, p. 13.

17 História do Direito no Brasil, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1998, 1ª ed.

18 Coleção Terra Brasilis, vol. III, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 1999, pp. 15/16.

19 Instrução para os Jurados, p. 38.

20 História da República Brasileira, Editora Três, 1998, p. 13.

21 Ob. cit., p. 14.

22 Direito Constitucional, Forense, RJ, 3ª ed., 1987, p.126.

23 Curso de Direito Constitucional, Saraiva, SP,19ª ed., 1998, p. 111.

24 Curso de Direito Constitucional, Freitas Bastos, RJ, 3ª ed., 1978, p. 410.

25 in O Júri e a Constituição Federal de 1946, ARY AZEVEDO FRANCO, Forense,


2ª ed., RJ, 1956, p.19.

26 idem, p. 21.
27 AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, Direito Constitucional, Forense, RJ, 3ª
ed., 1987, p. 128.

28 Obra citada, p. 410.

29 AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, Direito Constitucional, Forense, RJ, 3ª


ed., 1987, p. 128.

30 Curso de Direito Constitucional, Freitas Bastos, RJ, 3ª ed., 1978, p. 409.

31 Ob. Cit. p. 406.

32 Ob. Cit. p. 411.

33 Ob. Cit., p. 412.

34 Os crimes dolosos contra a vida são o homicídio doloso, o infanticídio, a


participação em suicídio e o aborto.

35 Manual da Constituição de 1988, Malheiros, SP, 2002, p. 40.

36 Constituição Federal Anotada, Saraiva, São Paulo, 4ª ed., p. 201.

37 Constituição Federal Anotada, Editora Saraiva, São Paulo, 2002, 4ª ed., p.202.

38 Habeas Corpus n° 80.258/SP, julgamento em 26.09.2000.

39 Apelação Criminal n° 3582/2000, julgamento em 29.03.2001.

40 JÚLIO FABBRINI MIRABETE, Processo Penal, Atlas, SP, 8ª ed., 1998, p. 483.

41 Editora Saraiva, São Paulo, 4ª ed., 1997, p. 415.

42 Coordenação de ROGÉRIO LAURIA TUCCI, Editora Revista dos Tribunais, SP,


1999, pp. 119/120.

43 ob. cit., p. 122.

44 RT 557/354.

45 RT 560/426.

46 RT 659/305-6.

47 JTAERGS 89/28.

48 RJDTACRIM 23/467.

49 São possíveis quatro tipos de decisão quando apreciados os tais crimes dolosos
contra a vida: a) – pronúncia (art. 408, caput e §§ 1° e 2°); b) – impronúncia (art.
409); c) – desclassificação (art. 408, § 4°); d) – absolvição sumária (art. 411).
Havendo pronúncia cabe o recurso em sentido estrito (art. 581, inc. IV), similar ao
antigo agravo de instrumento cível, pela defesa, hipótese em que o juiz poderá
despronúnciar o réu em juízo de retratação (art. 589, caput). Havendo retratação para
pronúncia, no prazo de cinco dias, o defensor poderá, mediante simples petição,
recorrer, não sendo exigidas de novas razões (art. 589, parágrafo único). A
impronúncia não exonera o réu de ser novamente processado pelo mesmo fato, mas
serão necessárias novas provas e que não tenha ocorrido a extinção da punibilidade.

50 JOSÉ PARADA NETO in Tribunal do Júri, coord. ROGÉRIO LAURIA TUCCI,


RT, SP, 1999, p. 173

Texto disponibilizado no Banco do Conhecimento em 23 de julho de 2008.

Você também pode gostar

pFad - Phonifier reborn

Pfad - The Proxy pFad of © 2024 Garber Painting. All rights reserved.

Note: This service is not intended for secure transactions such as banking, social media, email, or purchasing. Use at your own risk. We assume no liability whatsoever for broken pages.


Alternative Proxies:

Alternative Proxy

pFad Proxy

pFad v3 Proxy

pFad v4 Proxy