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Número 811 Brasília, 14 de maio de 2024.

Este periódico, elaborado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ, destaca teses jurisprudenciais
firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal nos acórdãos proferidos nas sessões de julgamento, não
consistindo em repositório oficial de jurisprudência

PRIMEIRA TURMA

PROCESSO AgInt no AREsp 2.220.880-RS, Rel. Ministro Paulo Sérgio


Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado
em 26/2/2024, DJe 29/2/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Penhora on-line. Sistema bacenjud. Valores inferiores a


40 salários mínimos. Impenhorabilidade presumida.
Possibilidade de reconhecimento de ofício pelo juiz.

DESTAQUE

Constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz,
independentemente da manifestação da interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou
determinar a liberação dos valores constritos.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia dos autos cinge-se à (i)legitimidade do reconhecimento, de plano, da


impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do Código de Processo Civil.

Nos termos do art. 833, X, do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos
depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui
saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o
bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, isso porque, além de
as matérias de ordem públicas serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é
presumida, cabendo ao credor a demonstração de eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nos seguintes termos: "a
impenhorabilidade constitui matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo juiz, não havendo
falar em nulidade da decisão que, de plano, determina o desbloqueio da quantia ilegalmente
penhorada." (AgInt no AREsp 2.151.910/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma,
julgado em 19/09/2022, DJe de 22/09/2022).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil, art. 833, X

PROCESSO AgInt no AREsp 1.846.725-PI, Rel. Ministro Gurgel de


Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em
8/4/2024, DJe 18/4/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO TRIBUTÁRIO

TEMA Simples nacional. Base de cálculo. Receita bruta. Gorjeta.


Natureza salarial. Exclusão.
DESTAQUE

O valor pago a título de gorjetas, ante a sua natureza salarial, não pode integrar o conceito
de faturamento, receita bruta ou lucro para fins de apuração tributária.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na origem, o feito decorre de mandado segurança em que se busca o reconhecimento do


direito líquido e certo da contribuinte impetrante de que as gorjetas e o couvert artístico não sejam
considerados receita bruta para fins de tributação sob o regime do Simples Nacional, ou seja,
discute-se a possibilidade de inclusão da gorjeta no conceito de receita bruta, base de cálculo do
Simples Nacional.

De acordo com o art. 18, § 3º, da Lei Complementar n. 123/2006, a tributação unificada
"Simples Nacional" tem como base de cálculo a receita bruta da microempresa ou empresa de
pequeno porte optante ("Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota efetiva
determinada na forma do caput e dos §§ 1º, 1º-A e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à
opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês,
sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário").

Já o art. 3º, § 1º, dessa norma traz o conceito de receita bruta e dispõe que se considera
"receita bruta, para fins do disposto no caput deste artigo, o produto da venda de bens e serviços nas
operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta
alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos".

Nesse diapasão, esta Corte Superior adotou o entendimento de que o valor pago a título de
gorjetas, ante a sua natureza salarial, não pode integrar o conceito de faturamento, receita bruta ou
lucro para fins de apuração tributária. Nesse sentido: AgInt no REsp n. 1.668.117/PR, relator
Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 21/2/2022, DJe de 24/2/2022 e AREsp n.
1.604.057/PE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 4/2/2020, DJe de
12/5/2020.

Dessa forma, considerando o conceito de receita bruta explicitado na Lei Complementar n.


123/2006, não se vislumbra nenhuma possibilidade de considerar a gorjeta como produto de venda,
preço de serviço prestado ou resultado nas operações em conta alheia, pois, de acordo com o
entendimento do STJ, a gorjeta tem natureza salarial, ou seja, compõe o salário do empregado.
Assim, a referida verba não deve integrar a receita bruta para fins de cálculo do Simples Nacional.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei Complementar n. 123/2006, arts. 3º, § 1º, 18, § 3º


SEGUNDA TURMA

PROCESSO AgInt no AREsp 2.360.631-RJ, Rel. Ministro Herman


Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em
8/4/2024, DJe 2/5/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA Impenhorabilidade. Bem de família. Imóvel de


propriedade de pessoa Jurídica. Núcleo familiar. Conceito
de bem de família. Fins sociais da lei. Genitora que detém
a posse do imóvel por lá residir. Flexibilização.

DESTAQUE

A confusão entre a moradia de entidade familiar com o local de funcionamento de empresa


não constitui requisito para o reconhecimento da proteção de imóvel como bem de família.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se, na origem, de embargos de terceiro que visam resguardar, de futura penhora, o


bem cuja titularidade fora transferido para a propriedade de sociedade empresária e tenha se
tornado indisponível por força de liminar deferida nos autos considerando que a interessada afirma
não possuir qualquer outro imóvel, mas apenas deter a posse do imóvel e por lá residir.

Por sentença, os pedidos veiculados nos embargos de terceiro foram julgados


improcedentes, sob o fundamento de que o bem objeto da lide foi integralizado à pessoa jurídica
familiar de grande porte, porém nenhuma parte do imóvel seria utilizada para qualquer atividade
empresarial, e, portanto, não poderia aproveitar a "elástica jurisprudência" relacionada a
impenhorabilidade.

A Lei n. 8.009/1990, por outro lado, é clara no sentido de que a impenhorabilidade é


oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra
natureza; e de que o imóvel residencial próprio é impenhorável e não responderá por qualquer tipo
de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou
pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nessa
lei.

Embora a referida Lei determine que a impenhorabilidade recaia sobre o imóvel de


propriedade dos membros da família que nele residam, o STJ já decidiu que essa proteção legal
também pode ser aplicada a imóveis pertencentes a pessoas jurídicas, desde que sirvam de
residência dos sócios, conforme o disposto no REsp n. 1935563/SP.

Nesse sentido, a Lei, estabelecida em razão da proteção à dignidade da pessoa humana, é


norma cogente, que contém princípio de ordem pública, não se admitindo, assim, interpretações
extensivas às exceções à garantia legal da impenhorabilidade. Assim, a simples comprovação de que
o imóvel constitui moradia é suficiente para lhe conferir a proteção legal. A confusão entre a
moradia da entidade familiar com o local de funcionamento da empresa, portanto, não constitui
requisito para o reconhecimento da proteção do imóvel.

Dessa forma, deve-se entender como possível a interposição de embargos de terceiro


visando à declaração de impenhorabilidade de imóvel pertencente a empresa envolvida em
processo fiscal, por ser o imóvel a residência da genitora dos sócios envolvidos e em nada interferir
na decretação de indisponibilidade de ação cautelar.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 8.009/1990
PROCESSO AgInt no AREsp 2.441.809-RS, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em
8/4/2024, DJe 2/5/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Justiça gratuita. Imposto de Renda. Isenção.

DESTAQUE

O enquadramento na faixa de isenção de imposto de renda não deve ser utilizado como
critério para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se de agravo interno em que o agravante, dentre outras alegações, defende a


desnecessidade de recolhimento do preparo em recurso especial com base no fato de comprovar,
nos autos, rendimentos anuais que estão na faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física, o
que levaria à aplicação dos arts. 98 c/c 99, §1º, §2º, §3º,§5º, e §7º, todos do CPC.

No entanto, cumpre esclarecer que o STJ também vem rejeitando a adoção do critério de
enquadramento na faixa de isenção de imposto de renda como critério para o deferimento do
benefício da assistência judiciária gratuita.

Ademais, eventual deferimento de tal pedido após a interposição do recurso especial não
teria efeito retroativo, não isentando a parte do recolhimento do respectivo preparo quando da
interposição do apelo. Isto é, ainda que o pedido de justiça gratuita formulado no reclamo fosse
deferido, o deferimento não teria o condão de afastar a deserção do recurso, o qual continuaria não
sendo conhecido.

A propósito: "(...) O benefício da gratuidade judiciária não tem efeito retroativo, de modo
que a sua concessão posterior à interposição do recurso não tem o condão de isentar a parte do
recolhimento do respectivo preparo. Desse modo, nem mesmo eventual deferimento da benesse
nesta fase processual, descaracterizaria a deserção do recurso especial." (AgInt no AREsp n.
2.380.943/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de
18/10/2023).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), arts. 98, 99, §§ 1º, 2º, 3º, 5º e 7º
TERCEIRA TURMA

PROCESSO REsp 2.108.182-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi,


Terceira Turma, por maioria, julgado em 16/4/2024, DJe
19/4/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA Ação de indenização por danos morais. Responsabilidade


civil. Competição automobilística. Acidente envolvendo
piloto. Omissão de socorro. Ausência de envio de
ambulância e equipe médica presentes no local. Falta
com dever de cuidado. Negligência. Dano moral.
Configuração. Teoria da perda de uma chance.
Aplicabilidade.

DESTAQUE

De acordo com a teoria da perda de uma chance, há responsabilidade civil de empresa


organizadora de competição automobilística que deixa de prestar socorro a piloto que falece por
afogamento após acidente durante o percurso.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se há responsabilidade civil de empresa organizadora de


competição automobilística que deixa de prestar socorro a piloto que falece, por afogamento, em
razão de capotamento e queda de automóvel em rio durante o percurso.

A organizadora de competição automobilística, que dispõe de ambulâncias com equipe


médica e deixa de enviá-las para socorrer piloto participante que sofreu acidente durante o
percurso, pratica ato ilícito pela falta do dever de cuidado esperado, resultando em dano moral, ao
frustrar a legítima expectativa de assistência e causar profundo sofrimento e desamparo.

De acordo com a teoria da perda de uma chance, a expectativa ou a chance de alcançar um


resultado ou de evitar um prejuízo é um bem que merece proteção jurídica e deve, por isso, ser
indenizado. Assim, a simples privação indevida da chance de cura ou sobrevivência é passível de ser
reparada.

O nexo causal que autoriza a responsabilidade pela aplicação da teoria da perda de uma
chance é aquele entre a conduta omissiva ou comissiva do agente e a chance perdida, sendo
desnecessário que esse nexo se estabeleça diretamente com o dano final.

Hipótese em que existia chance séria e concreta de que a recorrida, se tivesse enviado a
ambulância ao local do acidente de forma imediata, teria conseguido promover o resgate em menor
tempo e prestar assistência médica, aumentando significativamente as chances de sobrevida do
piloto (marido da recorrente).

PROCESSO REsp 2.119.389-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi,


Terceira Turma, por unanimidade, julgado em
23/4/2024, DJe 26/4/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Desistência do recurso. Gratuidade da justiça. Preparo


recursal. Cobrança. Medida sanatória. Dívida ativa.
Deserção.

DESTAQUE

Não é possível exigir o recolhimento do preparo recursal após a desistência de recurso


que verse sobre a concessão da gratuidade da justiça, sob pena de inscrição em dívida ativa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará


dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o
requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento. Mantendo-se inerte, o
recurso não será conhecido em virtude da deserção.

Por seu turno, a decisão que reconhece o pedido de desistência tem natureza declaratória.
A partir do momento em que a desistência é informada no processo, o recurso passa a não mais
existir. Com isso, a desistência de recurso que estava dispensado do pagamento do preparo pelo art.
99, §7º do CPC, torna-o inexistente no mundo jurídico, antes mesmo de ser analisada a gratuidade
da justiça. Assim, não há fato gerador que justifique a cobrança do recolhimento do preparo.

Nos termos do art. 1.007 do CPC, não há previsão legal de outra medida sancionatória
além da deserção à parte que negligencia o recolhimento do preparo recursal, seja quanto ao valor,
seja quanto ao prazo. Apesar da natureza de taxa do preparo recursal, inexiste fundamento legal
para a cobrança de seu recolhimento sob pena de inscrição de dívida ativa, notadamente nas
hipóteses em que houve desistência de recurso que foi dispensado do preparo em razão do benefício
previsto no art. 99, §7º do CPC.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 99, §7º e 1.007


QUARTA TURMA

PROCESSO REsp 2.123.047-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira,


Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024,
DJe 30/4/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

TEMA Abuso sexual infantil. Ação de indenização por danos


materiais e morais. Prescrição. Termo inicial. Teoria
subjetiva da actio nata. Aplicação.

DESTAQUE

O termo inicial da prescrição nos casos de abuso sexual durante a infância e adolescência
não pode ser automaticamente vinculado à maioridade civil, sendo essencial analisar o momento em
que a vítima tomou plena ciência dos danos em sua vida, aplicando-se a teoria subjetiva da actio
nata.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na origem, foi ajuizada ação de indenização por danos materiais e morais em decorrência
de abuso sexual sofrido na infância. O Tribunal a quo manteve a prescrição reconhecida na sentença,
pois já havia transcorrido muito mais que os três anos do prazo prescricional. Ademais, consignou
que o prazo "tem a fluência a partir da maioridade, e não, do início do tratamento psicológico, eis
que já tinha discernimento suficiente para mensurar a gravidade dos fatos ocorridos e o livre
arbítrio para procurar os meios legais para responsabilização do réu".

Portanto, a controvérsia diz respeito ao termo inicial da prescrição no caso de abuso


sexual cometido contra menor de idade, em que o resultado lesivo do crime foi efetivamente
constatado pela vítima apenas muitos anos após a cessação dos atos libidinosos.

O abuso sexual contra menores de idade é problema grave e alarmante, que traz
consequências devastadoras para as vítimas e suas famílias. Embora seja tema sensível, é
fundamental discuti-lo para ampliar a conscientização e promover medidas eficazes de prevenção e
combate.

O abuso sexual ocasiona danos permanentes, deixando cicatrizes emocionais, cognitivas e


comportamentais que podem perdurar ao longo da vida da vítima. Por sua vez, esses danos podem
se manifestar de maneira mais perceptível em determinadas épocas da vida da pessoa, muitas vezes
em resposta a acontecimentos específicos. Por exemplo, uma pessoa que tenha sido vítima de abuso
sexual na infância pode experimentar o ressurgimento significativo dos traumas durante a gravidez,
o nascimento de um filho, ou ao entrar em relacionamento íntimo. Esses eventos podem
desencadear lembranças dolorosas e uma série de reações emocionais e psicológicas, como
ansiedade, depressão ou baixa autoestima.

Logo, embora os danos do abuso sexual sejam intrinsecamente permanentes, sua


manifestação pode variar ao longo do tempo e em resposta a diferentes eventos ou estágios da vida
da vítima. Muitas vezes, as vítimas enfrentam dificuldades para lidar com as consequências
emocionais e psicológicas do abuso e podem levar anos, ou mesmo décadas, para reconhecer e
processar plenamente o trauma que sofreram.

Por conseguinte, é desarrazoado exigir da vítima de abuso sexual a imediata atuação no


exíguo prazo prescricional de três anos após atingir a maioridade civil (art. 206, § 3º, V, do
CC/2002). Em razão da complexidade do trauma causado pelo abuso sexual infantil, é plenamente
possível que, aos 21 anos de idade, ela ainda não tenha total consciência do dano sofrido nem das
consequências desse fato ao longo de sua vida.

Sob outro ângulo, é crucial considerar a possibilidade de a vítima, aos 21 anos, ainda
manter contato direto com o agressor, que, na maior parte das vezes, é membro da família, como o
pai, o padrasto ou parente próximo. Essa situação pode adicionar uma camada significativa de
complexidade e dificuldade para reconhecer e lidar com o abuso sofrido.

Em regra, esta Corte Superior adota para o cômputo da prescrição a teoria objetiva da
actio nata, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem
(art. 189 do CC/2002). Contudo, em situações peculiares, nas quais a vítima não detém plena
consciência do dano nem de sua extensão, a jurisprudência do STJ tem adotado a teoria subjetiva da
actio nata, elegendo a data da ciência como termo inicial da prescrição.

A teoria subjetiva da actio nata é especialmente relevante no contexto de abuso sexual


infantil, em que o ofendido pode não ter plena consciência do dano sofrido até décadas após o
ocorrido, quando o trauma começa a se manifestar de forma mais evidente. Nessa situação, a teoria
subjetiva da actio nata permite que o prazo de prescrição inicie a partir do momento em que a
vítima efetivamente tenha conhecimento dos efeitos decorrentes do abuso sexual, permitindo que
busque a reparação legal.

Portanto, considerando a gravidade do crime, a complexidade do dano causado e suas


repercussões, com impacto permanente na vida tanto da vítima quanto de seus familiares, e o
relevante bem jurídico tutelado - a integridade física, moral e psicológica -, é imperativo reconhecer
que, nos casos de abuso sexual durante a infância e adolescência, o início do prazo prescricional não
pode ser automaticamente vinculado à maioridade civil. Em vez disso, é essencial analisar o
momento em que a vítima tomou plena ciência dos danos em sua vida, aplicando-se assim a teoria
subjetiva da actio nata.

Dessa forma, é imprescindível conceder à vítima a oportunidade de comprovar o momento


em que constatou os transtornos decorrentes do abuso sexual, a fim de estabelecer o termo inicial
de contagem do prazo prescricional para a reparação civil.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil (CC), art. 189 e art. 206, § 3º, V


PROCESSO REsp 2.087.485-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira,
Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024,
DJe 2/5/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Alienação fiduciária. Busca e apreensão de bem.


Notificação extrajudicial do devedor fiduciante. Correio
eletrônico. E-mail. Possibilidade. Comprovação de
recebimento. Necessidade.

DESTAQUE

É suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por e-mail, desde que seja
encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato de alienação fiduciária e comprovado seu
efetivo recebimento.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 estabelece ser a carta registrada com aviso de
recebimento uma das formas de notificação extrajudicial do devedor. Por sua vez, esta Corte firmou
o entendimento, em recurso especial repetitivo, de que, "em ação de busca e apreensão fundada em
contratos garantidos com alienação fiduciária (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969), para a
comprovação da mora, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço
indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio
destinatário, quer por terceiros" (REsp 1.951.662/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha,
Segunda Seção, DJe 20/10/2023).

Isso significa que deverá ser considerada suficiente a notificação extrajudicial do devedor
fiduciante encaminhada ao endereço indicado no contrato, com prova de seu recebimento,
independentemente de quem tenha assinado o AR.

A par desses dois requisitos - notificação enviada para o endereço do contrato e


comprovação de sua entrega efetiva -, é viável explorar outros possíveis meios de notificação
extrajudicial que possam legitimamente demonstrar, perante o Poder Judiciário, o cumprimento da
obrigação legal para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem.

Sob esse aspecto, é possível, por interpretação analógica do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n.
911/1969, considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio
eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato e,
principalmente, seja comprovado seu recebimento, independentemente de quem a tenha recebido.

Não é razoável exigir, a cada inovação tecnológica que facilite a comunicação e as


notificações para fins empresariais, a necessidade de uma regulamentação normativa no Brasil para
sua utilização como prova judicial, sob pena de subutilização da tecnologia desenvolvida.

Além disso, a aceitação, pelo Poder Judiciário, de métodos de comprovação de entrega de


mensagens eletrônicas pode ser embasada na análise de sua eficácia e confiabilidade, como ocorre
com qualquer prova documental, independentemente de certificações formais. Se a parte apresentar
evidências sólidas e verificáveis que atestem a entrega da mensagem, assim como a autenticidade de
seu conteúdo, o magistrado pode considerar tais elementos válidos para efeitos legais.

Nessa perspectiva, se o credor fiduciário apresentar prova do recebimento do e-mail,


encaminhado ao endereço eletrônico fornecido no contrato de alienação fiduciária, a notificação
extrajudicial deve ser admitida para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem, uma vez
cumpridos os mesmos requisitos exigidos da carta registrada com aviso de recebimento.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Decreto-Lei n. 911/1969, art. 2º, § 2º


PROCESSO REsp 1.632.928-RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para
acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por
maioria, julgado em 9/4/2024, DJe 25/4/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO DO CONSUMIDOR

TEMA Ação civil pública. Legalidade de cobrança de taxa de


conveniência para aquisição de ingressos para shows.
Distinção entre taxa de conveniência, taxa de entrega e
taxa de retirada. Cobrança das referidas taxas que
refletem custos de intermediação de vendas e de serviços
efetivamente prestados ao consumidor. Abusividade não
comprovada.

DESTAQUE

Não configura prática abusiva a cobrança das taxas de conveniência, retirada e/ou entrega
de ingressos comprados na internet, desde que o valor cobrado pelo serviço seja acessível e claro.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A taxa de conveniência é aquela cobrada pela simples aquisição de ingresso por meio de
empresa contratada e diz respeito aos custos de intermediação da venda desses ingressos. Por outro
lado, a taxa de retirada (também chamada de will call) é aquela cobrada quando o próprio
consumidor compra o ingresso pela internet ou por telefone, mas, ao invés de imprimi-lo em casa, o
emite em bilheteria específica colocada à sua disposição. No mais, taxa de entrega é aquela cobrada
quando a pessoa opta por receber seu ingresso em domicílio, pelos Correios ou por outro serviço de
courier.

No caso relativo à taxa de conveniência, cobrada quando da aquisição de ingresso pela


internet, guiando-se pelo que decidido no julgamento dos Temas n. 938 e n. 958, a Terceira Turma
desta Corte já entendeu que não há óbice a que os custos da intermediação de venda de ingressos
sejam transferidos ao consumidor, desde que haja informação prévia acerca do preço total da
aquisição, com destaque do valor.
Na inicial da ação civil pública, o MP não alega que os custos da taxa de conveniência
estariam sendo omitidos dos consumidores, existindo indicação expressa no sentido de que a
empresa recorrente ofereceria os ingressos "sob o pagamento de valor adicional" e que estaria
agregando "referido valor ao dos ingressos, ainda que os mesmos sejam adquiridos junto às
bilheterias".

Tratando-se de valor explícito no momento da compra do ingresso, não há como


considerar, neste tipo de situação, que tenha havido a ocorrência de prática abusiva.

As taxas de entrega e de retirada, ao contrário da taxa de conveniência, não configuram


um simples custo de intermediação de venda, mas estão vinculadas a um serviço independente,
dirigido ao consumidor que não quer ou não pode imprimir seu ingresso virtual em casa.

Assim como a entrega em domicílio gera um custo para a empresa responsável pela venda
dos bilhetes, pois implica a contratação de serviço de courier, não há dúvidas de que o serviço de
retirada de bilhetes em posto físico (will call) também acarreta um custo para a mesma empresa,
porque, para colocá-lo à disposição do consumidor, ela tem que contratar uma pessoa para atendê-
lo, além de ter que alugar ou comprar um espaço físico e as impressoras necessárias.

Se há serviço disponibilizado ao consumidor, que pode optar, a seu critério, se vai


imprimir seu ingresso em casa, se vai solicitar que ele seja entregue pelos Correios, ou se vai
preferir retirá-lo em bilheteria, e se o valor cobrado pelo serviço é acessível e claro, não há que se
falar em abusividade.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

PRECEDENTES QUALIFICADOS

Tema n. 958/STJ
PROCESSO REsp 1.830.550-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira,
Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024,
DJe 30/4/2024.

RAMO DO DIREITO RECUPERAÇÃO JUDICIAL

TEMA Recuperação judicial. Descumprimento do plano.


Cláusula que possibilita nova convocação da assembleia
geral de credores. Legalidade.

DESTAQUE

É válida a cláusula que possibilita nova convocação da assembleia geral de credores em


caso de descumprimento do plano de recuperação judicial, em vez da imediata conversão em
falência.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia jurídica envolve a legalidade de cláusulas que preveem a convocação de


uma nova assembleia geral de credores caso seja descumprido o plano de recuperação judicial, em
vez da imediata conversão em falência.

As instâncias de origem afirmaram que a previsão de nova assembleia geral de credores


violaria o estabelecido nos arts. 61, § 1º, e 73, IV, da Lei n. 11.101/2005, os quais determinam que,
em caso de descumprimento de qualquer obrigação, a recuperação judicial deve ser convertida em
falência.

Contudo, essas disposições não são normas imperativas, devendo ser interpretadas à luz
do propósito da Lei de Recuperação Judicial, que consiste principalmente na superação da crise
econômico-financeira e na preservação da empresa, conforme estabelecido em seu artigo 47.

A inserção de cláusula que possibilita nova convocação da assembleia geral, a fim de evitar
o decreto imediato da falência, está inserida no âmbito da liberdade negocial dos credores. Se os
próprios credores, maiores interessados no recebimento do crédito, optam por mais uma tentativa
para manter a empresa, essa decisão, firmada em assembleia, coaduna-se com os imperativos que
regem a Lei de Recuperação Judicial.

Justamente por não ser a conversão em falência norma cogente, a Quarta Turma, ao julgar
o AREsp n. 1.059.178/SP, entendeu ser possível a instalação de nova assembleia, em razão de
alterações no quadro fático e da existência de novos elementos para elaboração de um plano de
recuperação judicial efetivamente viável, a ser aprovado pelos credores.

No mais, no âmbito do processo de recuperação, é soberana a deliberação da assembleia


geral de credores relativa ao conteúdo do plano. Ao magistrado compete exclusivamente a avaliação
da conformidade legal do ato jurídico, fundamentado no interesse público refletido no Princípio da
Preservação da Empresa e na consequente manutenção dos empregos e das fontes de produção.

Por fim, a própria Lei de Recuperação Judicial, em seu artigo art. 35, I, a, estabelece a
competência da assembleia geral de credores para deliberar acerca de eventual alteração no plano
de recuperação judicial.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 11.101/2005, arts. 35, I, a, 47, 61, § 1º, e 73, IV


QUINTA TURMA

PROCESSO Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Daniela


Teixeira, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em
7/5/2024, DJe 10/5/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Busca e apreensão que atinge domicílio de terceiro.


Ilegalidade. Violação ao art. 243 do CPP.

DESTAQUE

O mandado de busca e apreensão deve apontar, de maneira clara, a pessoa e o local onde a
diligência ocorrerá, não podendo surpreender terceiros em violação de seus domicílios.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Em se tratando de diligência que tangencia direitos e garantias fundamentais do acusado


(art. 5º, X a XIII da CRFB/1988), o legislador processual penal houve por bem estabelecer, de
maneira minuciosa, os elementos materiais e formais contidos no mandado que instrumentaliza a
busca e apreensão.

No caso, a despeito de a ação cautelar tramitar apenas em desfavor de uma empresa, o


cumprimento das diligências de busca e apreensão se estendeu ao edifício contíguo, pertencente à
pessoa jurídica diversa, que não figurava na demanda acautelatória e, portanto, não poderia ter sua
sede violada. O fato de o juízo ter delegado a verificação da propriedade do estabelecimento e da
documentação apreendida aos oficiais que cumpriam a diligência ou a constatação, "a posteriori", de
confusão entre o acervo documental das empresas, não altera o quadro de violação constatado, na
medida em que o art. 243, I do CPP estabelece, de maneira inequívoca, que "O mandado de busca
deverá: I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome
do respectivo proprietário ou morador (...)".

Efetivamente, se é cediço que é inviável ao magistrado, na elaboração do mandado,


especificar todos os documentos e objetos a serem apreendidos, não é menos inequívoco que o
instrumento que municia a diligência deve apontar, de maneira clara, a pessoa e o local onde a
mesma ocorrerá, não podendo surpreender terceiros em violação de seus domicílios "lato".

Nesta linha de pensamento, as questões relativas à existência de grupo empresarial ou


qualquer outra forma de ligação entre a impetrante e a parte demandada na medida cautelar
deveriam ter sido levadas ao conhecimento do juízo previamente à expedição do mandado.

Há de se aplicar, portanto, o entendimento deste STJ no sentido de que "(...) 13. Segundo o
art. 243 do Código de Processo Penal, o mandado de busca deverá: i) indicar, o mais precisamente
possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador e
ii) mencionar o motivo e os fins da diligência. 14. Hipótese concreta em que a decisão ordenou a
expedição de um mandado de busca e apreensão indeterminado, ou seja, para qualquer crime, em
qualquer lugar e para a apreensão de quaisquer objetos. Além disso, não trouxe nenhum
fundamento que justificasse o emprego da medida. (...)" (HC 245.466-CE, Relator Ministro Sebastião
Reis Júnior, Sexta Turma, Julgado em 27/11/2012).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Constituição Federal (CF), art. 5º, X a XIII

Código de Processo Penal (CPP), art. 243, I


PROCESSO AgRg no HC 828.054-RN, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik,
Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024,
DJe 29/4/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Apreensão de celular. Extração de dados. Captura de


telas. Quebra da cadeia de custódia. Inadmissibilidade da
prova digital.

DESTAQUE

A falta de procedimentos para garantir a idoneidade e integridade dos dados extraídos de


um celular apreendido resulta na quebra da cadeia de custódia e na inadmissibilidade da prova
digital.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O instituto da cadeia de custódia, arts. 158-A e seguintes do CPP, visa a garantir que o
tratamento dos elementos probatórios, desde a sua arrecadação até a análise e deliberação pela
autoridade judicial, seja idôneo e livre de qualquer interferência que possa macular a confiabilidade
da prova.

No caso, discute-se a inidoneidade de relatório de análise de extração de dados baseado


em print screen de diálogos entre usuários de Whatsapp.

Diante da volatilidade dos dados telemáticos e da maior suscetibilidade a alterações,


imprescindível se faz a adoção de mecanismos que assegurem a preservação integral dos vestígios
probatórios, de forma que seja possível a constatação de eventuais alterações, intencionais ou não,
dos elementos inicialmente coletados, demonstrando-se a higidez do caminho percorrido pelo
material.

Mostra-se indispensável que todas as fases do processo de obtenção das provas digitais
sejam documentadas, cabendo à polícia, além da adequação de metodologias tecnológicas que
garantam a integridade dos elementos extraídos, o devido registro das etapas da cadeia de custódia,
de modo que sejam asseguradas a autenticidade e a integralidade dos dados.

Dessa forma, pode-se dizer que as provas digitais, em razão de sua natureza facilmente - e
imperceptivelmente - alterável, demandam ainda maior atenção e cuidado em sua custódia e
tratamento, sob pena de ter seu grau de confiabilidade diminuído drasticamente ou até mesmo
anulado.

Convém, assim, que o material epistemológico digital de interesse à persecução penal seja
tratado mediante critérios bem definidos, que possibilitem a sua preservação, na maior medida
possível, notadamente com explícita indicação de quem foi responsável pelo seu reconhecimento,
coleta, acondicionamento, transporte e processamento, que deverá ser formalizado em laudo
produzido por perito, notadamente com indicação da metodologia empregada e das ferramentas
eventualmente utilizadas.

A documentação de cada etapa da cadeia de custódia é fundamental, a fim de que o


procedimento seja auditável. É dizer, as partes devem ter condições de aferir se o método técnico-
científico para a extração dos dados foi devidamente observado (auditabilidade da evidência
digital).

Assim, a auditabilidade, a repetibilidade, a reprodutibilidade e a justificabilidade são


quatro aspectos essenciais das evidências digitais, os quais buscam ser garantidos pela utilização de
metodologias e procedimentos certificados, como, e.g., os recomendados pela ABNT. A ausência de
quaisquer deles redunda em um elemento epistemologicamente frágil e deficiente, e, portanto, de
valor probatório reduzido ou nulo.

A observação do princípio da mesmidade visa a assegurar a confiabilidade da prova, a fim


de que seja possível se verificar a correspondência entre aquilo que foi colhido e o que resultou de
todo o processo de extração da prova de seu substrato digital.

Uma forma de se garantir a mesmidade dos elementos digitais é a utilização da técnica de


algoritmo hash, a qual deve vir acompanhada da utilização de um software confiável, auditável e
amplamente certificado, que possibilite o acesso, a interpretação e a extração dos dados do arquivo
digital.

No caso, quando da sentença condenatória, o juízo singular pontuou que a "análise se deu
após consulta direta ao aparelho, sem necessidade de uso de máquinas extratoras (ex. Cellebrite).",
não sendo possível inferir a idoneidade das provas extraídas pelo acesso direto ao celular
apreendido, sem a utilização de ferramenta forense que garantisse a exatidão das evidências, não
havendo registros de que os elementos inicialmente coletados são idênticos ao que corroboraram a
condenação.

De relevo, o entendimento majoritário desta Quinta Turma no sentido de que "é ônus do
Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É
incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos
os procedimentos referentes à cadeia de custódia" (AgRg no RHC 143.169/RJ, relator Ministro
Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de
2/3/2023).

Assim, inafastável a conclusão de que, in casu, não houve a adoção de procedimentos que
assegurassem a idoneidade e a integridade dos elementos obtidos pela extração dos dados do
celular do corréu. Logo, evidente o prejuízo causado pela quebra da cadeia de custódia e a
imprestabilidade da prova digital.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Penal (CPP), arts. 158-A

PROCESSO AgRg no RHC 185.970-PR, Rel. Ministro Messod Azulay


Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em
7/5/2024.

RAMO DO DIREITO EXECUÇÃO PENAL

TEMA Indulto natalino. Vedação do § 1º do art. 7º do Decreto


Presidencial n. 11.302/2022. Facção criminosa.
Organização criminosa. Interpretação in malam partem.
Inexistência.
DESTAQUE

Para fins de exame de pedido de indulto com fundamento no Decreto n. 11.302/2022, a


discussão sobre eventual diferenciação entre organização criminosa e facção criminosa não tem
relevância.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O §1º do art. 7º do Decreto n. 11.302/2022 prescreve hipótese de vedação da concessão


de indulto, nos seguintes termos: "(o) indulto natalino também não será concedido aos integrantes
de facções criminosas, ainda que sejam reconhecidas somente no julgamento do pedido de indulto".

No caso, o pedido foi indeferido pelas instâncias ordinárias, uma vez que, na sentença
condenatória e no julgamento do pedido de indulto, os pacientes foram reconhecidos como líderes
de organização criminosa, de modo a atrair a restrição contida no §1º do artigo 7º do Decreto n.
11.302/2022.

Com efeito, o indeferimento do indulto está fundamentado em elementos concretos que


indicam participação em organização reconhecida pelas instâncias ordinárias como facção
criminosa, nos moldes do §1º, art. 7º, do Decreto n. 11.302/2022.

Para fins de exame de pedido de indulto com fundamento no Decreto n. 11.302/2022, a


discussão sobre eventual diferenciação entre organização criminosa e facção criminosa não tem
relevância. Isso porque o §1º, art. 7º, do ato normativo, estabeleceu o dever do juízo de reconhecer,
de forma fundamentada, ainda que somente no julgamento do pedido de indulto, a participação em
facção criminosa.

Consigne-se, ainda, que a compreensão dada pelo Tribunal não implica interpretação
extensiva in malam partem. Isso porque a vedação do §1º, art. 7º, Decreto n. 11.302/2022 impede a
concessão de um benefício, derivado de discricionariedade do Presidente da República, que
desconstitui uma sanção penal aplicada com observância do devido processo legal, nos exatos
termos previstos pelo ato concessivo. E, nesse contexto, a vedação, de forma literal, prevê a
possibilidade de reconhecimento da participação em facção criminosa ainda que somente no
julgamento do pedido de indulto.

Não há, pois, extensão da compreensão do termo organização criminosa em juízo de


adequação típica com finalidade condenatória em prejuízo dos reeducandos.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Decreto n. 11.302/2022, art. 7º, §1º


SEXTA TURMA

PROCESSO AgRg no HC 841.731-MS, Rel. Ministro Sebastião Reis


Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em
15/4/2024, DJe 18/4/2024.

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL

TEMA Estelionato judicial. Ação de execução fundada em título


executivo não autêntico. Atipicidade da conduta.
Apuração e processamento de crimes remanescentes.
Possibilidade.

DESTAQUE

O denominado estelionato judicial é conduta atípica na esfera penal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Tribunal a quo confirmou a condenação da acusada pelo crime de estelionato, porque


teria, na condição de advogada, ajuizado ação de execução com base em título inautêntico, sendo
autorizado o levantamento de vultuosa quantia da conta bancária da vítima.

Ocorre que, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o uso de ações


judiciais com o objetivo de obter lucro ou vantagem indevida caracteriza estelionato judicial,
conduta atípica na esfera penal.

Esta Corte Superior entende que a figura do estelionato judiciário é atípica pela absoluta
impropriedade do meio, uma vez que o processo tem natureza dialética, possibilitando o exercício
do contraditório e a interposição dos recursos cabíveis, não se podendo falar, no caso, em 'indução
em erro' do magistrado. Eventual ilicitude de documentos que embasaram o pedido judicial poderia,
em tese, constituir crime autônomo, que não se confunde com a imputação de 'estelionato judicial' e
não foi descrito na denúncia." (REsp 1.101.914/RJ, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta
Turma, DJe 21/3/2012).
Ou seja, é "Inexistente como figura penal típica a conduta de induzir em erro o Poder
Judiciário a fim de obter vantagem ilícita, não havendo falar em absorção de uma conduta típica
(falso) por outra que sequer é prevista legalmente (estelionato judiciário)." (AgRg no RHC
98.041/RJ, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 4/9/2018).

Por fim, frise-se que o reconhecimento da atipicidade da conduta do estelionato judiciário


não afasta a possibilidade de apuração de eventuais crimes autônomos remanescentes.

PROCESSO AgRg no HC 835.685-SC, Rel. Ministro Jesuíno Rissato


(Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 7/5/2024, DJe 13/5/2024.

RAMO DO DIREITO EXECUÇÃO PENAL

TEMA Indulto natalino. Decreto Presidencial n. 11.302/2022.


Ausência dos requisitos objetivos. Unificação das penas.
Delito impeditivo.

DESTAQUE

Os crimes impeditivos do benefício do indulto, fundamentado no Decreto Presidencial n.


11.302/2022, devem ser tanto os praticados em concurso, como os remanescentes em razão da
unificação de penas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Corte de origem invocou fundamentos que estão em consonância com o atual


entendimento deste Tribunal Superior que, superando entendimento anterior quanto à
possibilidade de concessão de indulto quando não houvesse concurso entre os delitos, praticados
em contextos fáticos diversos, passou a restringir a referida benesse nos casos em que houver
também a unificação entre condenação por delito impeditivo e não impeditivo, como ocorre no
presente caso, em que o paciente foi condenado em ações penais diversas pelos delitos de tráfico de
drogas e tentativa de latrocínio, estes impeditivos da aplicação do indulto previsto no Decreto n.
11.302/2022.

Sobre o tema, a Terceira Seção dessa Corte, no julgamento do AgRg no HC 890.929/SE, em


24/4/2024, modificou sua convicção para seguir a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
considerando que os crimes impeditivos do benefício do indulto, fundamentado no Decreto
Presidencial n. 11.302/2022, devem ser tanto os praticados em concurso, como os remanescentes
em razão da unificação de penas.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Decreto n. 11.302/2022

PROCESSO AgRg no HC 895.107-SP, Rel. Ministro Jesuíno Rissato


(Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 7/5/2024, DJe 13/5/2024.

RAMO DO DIREITO EXECUÇÃO PENAL

TEMA Progressão de regime. Laudo psicológico desfavorável.


Requisito subjetivo. Ausência.

DESTAQUE

O resultado desfavorável de exame criminológico justifica a negativa de progressão de


regime por falta de requisito subjetivo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Para a progressão de regime, deve o reeducando preencher os requisitos de natureza


objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário), nos termos do art. 112 da
LEP.

Com as inovações da Lei n. 10.792/2003, que alterou o art. 112 da Lei n. 7.210/1984,
afastou-se a exigência do exame criminológico para fins de progressão de regime. No entanto, o
Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o Magistrado de primeiro grau, ou o
Tribunal a quo, diante das circunstâncias do caso concreto, podem determinar a realização da
referida prova técnica para a formação de seu convencimento, desde que essa decisão seja
adequadamente motivada. Inteligência da Súmula n. 439/STJ e da Súmula vinculante n. 26.

No caso, verifica-se que as instâncias de origem consideraram que, para além da longa
pena a cumprir e da gravidade do delito cometido, a existência de aspectos desfavoráveis
destacados no laudo psicológico realizado, no qual foi destacado que o reeducando "apresenta
personalidade com traços de imaturidade e dificuldade no controle racional de suas emoções,
agindo de forma desajustada diante das adversidades do cotidiano" e "diante da dificuldade de
ressocialização em virtude dos impactos negativos da dependência química e prisionização observa-
se a necessidade de acompanhamento adequado."

Conforme a jurisprudência desta Corte, "o resultado desfavorável de exame criminológico


justifica a negativa de progressão de regime por falta de requisito subjetivo" (AgRg no HC
848.737/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 5/10/2023).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 7.210/1984 (LEP), art. 112

SÚMULAS

Súmula n. 439/STJ

Súmula vinculante n. 26.


RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO

PROCESSO ProAfR no REsp 2.078.485-PE, Rel. Ministro Herman


Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em
23/4/2024, DJe 9/5/2024. (Tema 1253).
ProAfR no REsp 2.078.989-PE, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em
23/4/2024, DJe 9/5/2024 (Tema 1253).
ProAfR no REsp 2.078.993-PE, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em
23/4/2024, DJe 9/5/2024 (Tema 1253).
ProAfR no REsp 2.079.113-PE, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em
23/4/2024, DJe 9/5/2024 (Tema 1253).

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos


REsps n. 2.078.485/PE, 2.078.989/PE, REsp
2.078.993/PE e 2.079.113/PE ao rito dos recursos
repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a
respeito da seguinte controvérsia: "possibilidade de o
substituído processual propor execução individual de
sentença coletiva quando, anteriormente, a mesma
sentença foi objeto de execução coletiva por parte do
substituto processual, extinta em virtude de prescrição
intercorrente."
PROCESSO ProAfR no REsp 2.034.210-CE, Rel. Ministro Humberto
Martins, Corte Especial, por unanimidade, julgado em
9/4/2024, DJe 10/5/2024. (Tema 1254).
ProAfR no REsp 2.034.211-CE, Rel. Ministro Humberto
Martins, Corte Especial, por unanimidade, julgado em
9/4/2024, DJe 10/5/2024 (Tema 1254).
ProAfR no REsp 2.034.214-CE, Rel. Ministro Humberto
Martins, Corte Especial, por unanimidade, julgado em
9/4/2024, DJe 10/5/2024 (Tema 1254).

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO


FALIMENTAR

TEMA A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos


REsps n. 2.034.210/CE, 2.034.211-CE e 2.034.214-CE ao
rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o
entendimento a respeito da seguinte controvérsia:
"definir se ocorre ou não a prescrição para a habilitação
de herdeiros ou sucessores da parte falecida no curso da
ação."
PROCESSO ProAfR no REsp 2.083.968-MG, Rel. Ministro Joel Ilan
Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em
23/4/2024, DJe 10/5/2024. (Tema 1255).

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL

TEMA A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp


n. 2.083.968-MG ao rito dos recursos repetitivos, a fim de
uniformizar o entendimento a respeito da seguinte
controvérsia: "se o delito de falsa identidade é crime
formal, que se consuma quando o agente fornece,
consciente e voluntariamente, dados inexatos sobre sua
real identidade, e, portanto, independe da ocorrência de
resultado naturalístico."

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