Literatura Portuguesa Garrett 11.ºC
Literatura Portuguesa Garrett 11.ºC
Literatura Portuguesa Garrett 11.ºC
l asasfloresemtodanaoteamoqueroteoa morvemdalmaenalmatenhocalmaacal madojazigocreioemtideusafevivadem inhalmaatiseelevaesoquenaesderiva meuserdoteuluzetrevaemqueindistin tasseenvolvesseespritoagitadodetive mdetidevolveonadaaquefoiroubadoe steinfernodeamarcomoeuamoquemm oposaquinalmaquemfoiestachamaqu ealentaeconsomequeavidaequeavid adestricomoequese
Literatura portuguesa II [2012-2013] Agrupamento de Escolas do Cerco
Paula Cruz - cercarte.blogspot.com
Literatura portuguesa II
Joo Batista da Silva Leito de Almeida Garrett nasceu no Porto em 1799. O pai era ento funcionrio superior da alfndega dessa cidade e a me descendia de uma famlia de comerciantes minhotos, que tinham outrora feito fortuna no Brasil. Nas veias do futuro visconde, corria, como vemos, o mais puro sangue da burguesia capitalista. O apelido com que vulgarmente conhecido - Garrett - foi busc-lo a uma ascendente irlandesa, que descobriu na genealogia paterna. Passou os primeiros anos nas quintas do Castelo e do Sardo, onde ouviu histrias de fantasmas e de aparies de almas do outro mundo e de mouras encantadas s graves criadas Brgida e Rosa. Por ocasio das invases francesas, acompanhou at aos Aores a famlia, que resolveu muito prudentemente procurar a segurana nas propriedades que possua na Ilha Terceira. Foi a que Joo Batista conviveu com os tios sacerdotes. Estes parentes iniciaram-no no estudo dos clssicos e incutiram-lhe ideias conservadoras. E Garrett, dcil e amigo, para lhes fazer a vontade, chegou mesmo a preparar-se para abraar a vida eclesistica, embora, por falta de vocao, em breve seguisse outro caminho. Em 1816, matriculou-se na Universidade de Coimbra. Como todos os acadmicos que ento viviam na Lusa Atenas, viu-se Garrett assediado pelas ideias do liberalismo. Abraou-as logo, sem grandes remorsos de voltar as costas s tradies da famlia. Nunca, porm, mostrou tendncias anrquicas. Terminando o curso em 1820, empregou-se na Secretaria dos Negcios do Reino como oficial e em 1822 casou com Lusa Midosi, de quem viria a separar-se em 1836. Em 1823, aps a reao absolutista, abandonou o cargo que desempenhava e houve por bem emigrar para a Inglaterra. Deste pas passou at Frana, empregando-se no Havre como correspondente comercial de uma filial da casa bancria Laffite, para se sustentar. A por 1826, depois da outorga da Carta Constitucional por D. Pedra IV, regressou a Por.tugal e intrometeu-se, ato contnuo, na poltica. Fundou os jornais O Portugus e O Cronista em cujas colunas se fez arauto da causa liberal. No tardou muito, porm, que D. Miguel se proclamasse rei absoluto. E Garrett no teve outro remdio seno exilar-se pela segunda vez para Inglaterra. Corria o ano de 1828. Os liberais no exlio, agrupados volta de D. Pedro IV, resolvem invadir o Portugal absolutista. Garrett inscreveu-se sem demora num corpo expedicionrio e, com Herculano e outros, desembarcou no Mindelo, tomando parte no cerco do Porto, em 1832. Ainda D. Pedro no havia entrado em Lisboa e j ele ia a caminho de Paris encarregado de misses diplomticas. Demorou-se pouco tempo nessa cidade. Aps uma breve estada na Ptria, foi colocado em Bruxelas como cnsul geral. A teve o ensejo de se familiarizar com a literatura germnica. Regressou de vez a Portugal em 1836 e ajudou a preparar a Revoluo de setembro. Vingada esta, Passos Manuel encarregou-o da reorganizao do teatro nacional. Almeida Garrett no cruzou os braos: tratou da construo de um edifcio apropriado, da criao de uma escola de arte dramtica e ele mesmo comeou a compor peas dentro do carter nacionalista que o orientava. Reparte agora a sua atividade entre o trabalho pblico, a produo literria e uma vida sentimental bastante agitada. Separado da mulher, viveu maritalmente, a partir de 1837, com Adelaide Deville Pastor, que viria a morrer em 1841 com apenas 22 anos, deixando-lhe uma filha. Mais tarde, em 1844, num baile de caridade, relacionou-se com D. Rosa de Montufar, Viscondessa da Luz, que viria a inspirar-lhe alguns dos seus mais belos poemas. Em 1851, o crtico dos bares nomeado visconde e, em 1852, Ministro dos Negcios Estrangeiros. Retirou-se do Governo um ano mais tarde, vindo a falecer em 9 de dezembro de 1854.
Literatura portuguesa II
Ao contrrio de Alexandre Herculano, que s fez poesia quando novo, Almeida Garrett brindou-nos, j depois de entrar na casa dos quarenta, com duas obras de grande mrito: Flores sem Fruto e Folhas Caidas. Ao publicar a primeira, em novembro de 1845, queixava-se de que j no era poeta, de que a sua imaginao era ento um terreno sfaro. E, por isso, iria plantar o seu horta de luzernas e beterrabas. Antes, porm, que ia arrancar as flores sem fruto que l estavam a murchar e enfeix-las numa triste e ltima capela para deixar dependurada na cruz do seu tmulo. Flores sem Fruto apareceram ento. Ainda bem que as luzernas e beterrabas no pegaram no seu jardim. Nele continuaram as flores a medrar. E que flores! Em janeiro de 1853, ao publicar Folhas Ca ida s, escrevia:
A outros versos chamei eu j as ltimas recordaes de minha vida potica. Enganei o pblico, mas de boa f, porque me enganei primeiro a mim. Protestos de poetas que sempre esto a dizer adeus ao mundo, e morrem abraados com o louro - s vezes imaginrio, porque ningum os coroa. Eu pouco mais tinha de vinte anos quando publiquei certo poema, e jurei que eram os ltimos versos que fazia. Que juramentos!
Pois foi ao quebrar antigos juramentos que Garrett se mostrou autntico poeta romntico.
Garrett cantou em Folhas Cadas o amor que viveu e o modo como o viveu. No se deixou arrastar pela moda, semelhana dos clssicos petrarquistas; limitou-se a expor o que lhe brotava espontneo do corao. O que diz no lhe imposto de fora, ditado por um estilo epocal; fruto de um intimismo estritamente pessoal, vem muito de dentro. Em Este inferno de amar diz que a VIU. E pergunta:
Que fez ela? Eu que fiz - No no sei; mas nessa hora a viver comecei.
Este amor, identificado pelo poeta com a mesma vida, to intenso que quase lhe consome o ser. Assim o canta em Anjo s:
No respondes - e em teus braos com frenticos abraos me tem apertado, estreito! ... Isso que me cai no peito que foi? .. - Lgrima? Escaldou-me ... Queima, abrasa, ulcera ... Dou-me, dou-me a ti, anjo maldito,
Literatura portuguesa II
que este ardor que me devora j fogo de precito, fogo eterno, que em m hora trouxeste de l ... de onde? Em que mistrios se esconde teu fatal, estranho ser! ... Anjo s tu ou s mulher?
b)
Amor sensual.
Garrett, em Folhas Cadas, ama com a alma e com o corpo, com os olhos, com os ouvidos, com os sentidos todos. Sem preconceitos, ultrapassa os idealismos petrarquistas e, se no ignora a mulher que se adora, conhece tambm a mulher que se deseja. Estvamos habituados a que os poetas analisassem os efeitos do amor na alma. A fenomenologia da paixo amorosa repercutida nos sentidos foi Garrett o primeiro que a cantou a valer. Esqueamos o que diz em No te amo:
Ai! no te amo, no; e s te quero de um querer bruto e fero que o sangue me devora: no chega ao corao,
a) para fixarmos a ateno nesta embriagus ertica da estrofe final de Os Cinco Sentidos. poema onde a mulher surge com romntica elevao sensualmente apetecida, condensando no seu corpo toda a gama de belezas naturais:
A ti! Ai, a ti s os meus sentidos, todos num confundidos, sentem, ouvem, respiram; em ti, por ti deliram! Em ti, a minha sorte; a minha vida, em ti. E, quando venha a morte, ser morrer por ti.
c) Estilo. O estilo desta coletnea caracteriza-se pela sinceridade e pelo realismo emotivo. Com efeito, em Folhas Cadas os versos no se amoldam a clichs pr-existentes, a conceitos convencionais amorosos tipo chapa nica. Seria difcil idealiz-los a partir do nada, a brotar dum peito rido em questes de amor, tal a sinceridade emotiva que deles se desprende. De Cames se diz que cantou bem e muito, porque a sua experincia foi profunda. Com Herculano podemos dizer que, se Cames fizesse versos de amor na idade em que Garrett estava, com certeza no o igualaria. Os versos de Folhas Cadas, na verdade, parecem retratar um corao de vinte anos que ama deveras e que no tem vergonha de o confessar. Sob o aspeto puramente formal, convm assinalar que Garrett abandonou agora os versos brancos dos rcades, substituindo-os pelos de redondilha, agrupados em estrofes regulares. s vezes, produz impressionantes efeitos musicais com aliteraes e rimas intermdias, sobretudo nos versos mais longos:
So belas - bem o sei, essas estrelas; Mil cores - divinais tm essas flores; Mas eu no tenho, amor, olhos p'ra elas. Em toda a natureza no vejo outra beleza seno a ti. (Cinco Sentidos) No te amo, quero-te: o amor vem da alma e eu na alma - tenho a calma, a calma do jazigo. Ai no te amo, no. (No te amo)
O ritmo frsico , em geral, de flego curto, coincidindo frequentemente com o ritmo versfico. Da o libertar-se destas poesias garrettianas uma fresca musicalidade de toada popular:
Pescador da barca bela, onde vais pescar com ela, que to bela, pescador?
(adaptado de Barreiros, Jos Antnio, Histria da Literatura Portuguesa 2, ed. PAX, s/d)
Literatura portuguesa II
tambm primeiro me ri deles. Poeta na primavera, no estio e no outono da vida, hei de s-lo no inverno, se l chegar, e hei de s-lo em tudo. Mas dantes cuidava que no, e nisso ia o erro. Os cantos que formam esta pequena coleo pertencem todos a uma poca de vida ntima e recolhida que nada tem com as minhas outras colees. Essas mais ou menos mostram o poeta que canta diante do pblico. Das Folhas Cadas ningum tal dir, ou bem pouco entende de estilos e modos de cantar. No sei se so bons ou maus estes versos; sei que gosto mais deles do que nenhuns outros que fizesse. Porqu? impossvel diz-lo, mas verdade. E, como nada so por ele nem para ele, provvel que o pblico sinta bem diversamente do autor. Que importa? Apesar de sempre se dizer e escrever h cem mil anos o contrrio, parece-me que o melhor e o mais reto juiz que pode ter um escritor ele prprio, quando o no cega o amor-prprio. Eu sei que tenho os olhos abertos, ao menos agora.Custalhe a uma pessoa, como custava ao Tasso, e ainda sem ser Tasso, a queimar os seus versos, que so seus filhos; mas o sentimento paterno no impede de ver os defeitos das crianas. Enfim, eu no queimo estes. Consagrei-os Ignoto Deo.
E o deus que os inspirou que os aniquile se quiser: no me julgo com direito de o fazer eu. Ainda assim, no Ignoto Deo no imaginem alguma divindade meia velada com o cendal transparente, que o devoto est morrendo que lhe caia para que todos a vejam bem clara. O meu deus desconhecido realmente aquele misterioso, oculto e no definido sentimento de alma que a leva s aspiraes de uma felicidade ideal, o sonho de oiro do poeta. Imaginao que porventura no se realiza nunca. E da quem sabe? A culpa talvez da palavra, que abstrata de mais. Sade, riqueza, misria, pobreza, e ainda coisas mais materiais, como o frio e o calor, no so seno estados comparativos, aproximativos. Ao infinito no se chega, porque deixava de o ser em se chegando a ele. Logo o poeta louco porque aspira sempre ao impossvel. No sei. Essa uma disputao mais longa. Mas sei que as presentes Folhas Cadas representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilaes do esprito, que, tendendo ao seu fim nico, a posse do ideal, ora pensa t-lo alcanado, ora estar a ponto de chagar a ele - ora ri amargamente porque reconhece o seu engano - ora se desespera de raiva impotente por sua credulidade v. Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glria. Ele no entende bem disso, e vs no entendeis nada dele. Deixai-o passar, porque ele vai onde vs no ides; vai, ainda que zombeis dele, que o calunieis, que o assassineis. Vai, porque esprito, e vs sois matria. E vs morrereis, ele no. Ou s morrer dele aquilo em que se pareceu e se uniu convosco. E essa falta, que a mesma de Ado, tambm ser punido com a morte. Mas no triunfeis, porque a morte no passa do corpo, que tudo em vs, e nada ou quase nada no poeta. janeiro - 1853
Literatura portuguesa II
Linhas de Leitura
1. 2. 3.
A coletnea Folhas Cadas no fruto de um acaso, antes o produto de uma escolha criteriosa. Qualquer que seja a reao do pblico em relao aos poemas, mesmo que de riso, ser sempre em segunda mo, porque, primeiro, a sentiu o prprio autor. O poeta sente a necessidade de justificar a publicao de Folhas Cadas (Garrett tinha, ento, 54 anos de idade). Certamente que o que queria justificar era o seu contedo, por isso teve o cuidado de advertir que, mesmo no inverno da vida, haveria de ser poeta em tudo. As Folhas Cadas dizem respeito a uma poca de vida ntima e nada so pelo pblico nem para o pblico. As Folhas Cadas foram inspiradas por um deus a quem o autor as consagrou. O poeta parece pretender mistificar o Ignoto Deo a quem consagra os seus versos, envolvendo-o num manto de mistrio. Segundo Garrett, o poeta louco porque aspira sempre ao impossvel. Resta saber que impossvel ser este. As Folhas Cadas representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilaes do esprito. Efetivamente, d-se conta disto mesmo, no s de poema para poema, mas, por vezes, ao longo de um mesmo poema. O mundo material e o potico so incompatveis, mas o que prevalece o esprito (poesia) e no a matria. Nos poetas, apenas o corpo mortal, a poesia, no: E aqueles que por obras valerosas / Se vo da lei da Morte libertando, Cames, Os Lusadas, I, 2 (Proposio).
Para uma melhor compreenso dos aspetos formais nas Folhas Cadas O metro e as estrofes
4. 5. 6. 7. 8.
9. 10.
As Folhas Cadas evidenciam, efetivamente, a preferncia de Garrett pela redondilha. Todavia, a obra apresenta grande variedade de metros, muitos dos quais coexistir na mesma composio, numa perfeita adequao do ritmo desenvolvimento do tema ou motivo potico. Noutras composies, Garrett adotou o verso de nove slabas (eneasslabo), prprio para o canto, divulgado pela pera e amplamente aproveitado pelos Romnticos para traduzir a doce melancolia por que se manifestava a sensibilidade oitocentista. Independentemente da estrutura mtrica e do esquema rtmico adotados, os versos aparecem de preferncia agrupados em quadras, sendo mais frequentes os metros curtos, sobretudo redondilha, o que acentua a intertextualidade voluntariamente assumida pelo poeta, com a poesia tradicional. Ocorrem tambm composies em sextilhas, estncias que andam em voga no Romantismo, sendo posteriormente muito usadas pelos poetas que cultivam a poesia de inspirao popular. Encontram-se tambm uma composio em quintilha e outra em oitavas, para alm de poemas em stimas, ou estncias de sete versos, muito prezados pelos trovadores e pelos poetas do Cancioneiro Gerol. Contudo, onze poemas apresentam estncias com vrios nmeros de versos, irregularidade que se explica pela obedincia ao ritmo do discurso amoroso, intensamente emotivo e imitando as pausas naturais da linguagem coloquial. H ainda poesias compostas s de uma sequncia de versos, ou menos longa, como se v em Ignoto Deo.
A pontuao
O uso dos sinais de pontuao tambm renovado por Garrett, pondo-os mais ao servio da expressividade e do dramatismo do que da lgica, ou ento fazendo-os apenas sublinhar as pausas naturais do discurso emotivo. (Maria Ema Tarracha)
Literatura portuguesa II
IGNOTO DEO
(D. D. D.)
Creio em ti, Deus; a f viva De minha alma a ti se eleva. s: - o que s no sei. Deriva Meu ser do teu: luz... e treva, Em que - indistintas! - se envolve Este esprito agitado, De ti vm, a ti devolve. O Nada, a que foi roubado Pelo sopro criador Tudo o mais, o h de tragar. S vive do eterno ardor O que est sempre a aspirar Ao infinito donde veio. Beleza s tu, luz s tu, Verdade s tu s. No creio
Seno em ti; o olho nu Do homem no v na terra Mais que a dvida, a incerteza, A forma que engana e erra. Essncia! a real beleza, O puro amor - o prazer Que no fatiga e no gasta... S por ti os pode ver O que, inspirado, se afasta, Ignoto Deo, das ronceiras, Vulgares turbas: despidos Das coisas vs e grosseiras Sua alma, razo, sentidos, A ti se do, em ti vida, E por ti vida tm. Eu, consagrado A teu altar, me prostro e a combatida Existncia aqui ponho, aqui votado Fica este livro - confisso sincera Da alma que a ti voou e em ti s spera.
1. (D.D.D.): (Dat, donat, dedicat; d, oferece, dedica). 1.1. A quem dedicada a obra? 1.2. Explique o sentido de Ignoto Deo (cf. Advertncia). 2. Atente no sujeito e no objeto da enunciao. 2.1. Identifique-os. 2.2. O sujeito potico experimenta alguma dificuldade em definir o destinatrio. Que versos traduzem essa dificuldade? 2.3. Caracterize, com a ajuda do esquema, a relao eu/tu. 3. A mensagem potica constri-se volta do contraste terra/cu. 3.1. Faa um levantamento dos termos e expresses que nos reenviam para esse confronto. 3.2. Relacione os elementos dessa oposio com o sujeito e o objeto da enunciao. 4. Para que tipo de amor nos remete o poema? Justifique, atentando na oposio forma/essncia. 5. Comente, em termos de originalidade e de influncias recebidas: - a escolha da mtrica; - o uso da pontuao.
Literatura portuguesa II
ADEUS!
Adeus! para sempre adeus! Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora Sinto a justia dos cus Esmagar-me a alma que chora. Choro porque no te amei, Choro o amor que me tiveste; O que eu perco, bem no sei, Mas tu... tu nada perdeste; Que este mau corao meu Nos secretos escaninhos Tem venenos to daninhos Que o seu poder s sei eu. Oh! vai... para sempre adeus! Vai, que h justia nos cus. Sinto gerar na peonha Do ulcerado corao Essa vbora medonha Que por seu fatal condo H de rasg-lo ao nascer: H de sim, sers vingada, E o meu castigo h de ser Cime de ver-te amada, Remorso de te perder. Vai-te, oh! vai-te, longe, embora, Que sou eu capaz agora De te amar - Ai! se eu te amasse! V se no rido pragal Deste peito se ateasse De amor o incndio fatal! Mais negro e feio no inferno No chameia o fogo eterno. Que sim? Que antes isso? - Ai, triste! No sabes o que pediste. No te bastou suportar O cepo-rei; impaciente Tu ousas a deus tentar Pedindo-lhe o rei-serpente! E cuidas amar-me ainda? Enganas-te: morta, finda, Dissipada a iluso. Do meigo azul de teus olhos Tanta lgrima verteste, Tanto esse orvalho celeste Derramado o viste em vo Nesta seara de abrolhos, Que a fonte secou. Agora Amars... sim, hs de amar, Amar deves... Muito embora... Oh! mas noutro hs de sonhar Os sonhos de oiro encantados Que o mundo chamou amores. E eu rprobo... eu se o verei? Se em meus olhos encovados Der a luz de teus ardores... Se com ela cegarei? Se o nada dessas mentiras Me entrar pelo vo da vida... Se, ao ver que feliz deliras, Tambm eu sonhar... Perdida, Perdida sers - perdida. Oh! vai-te, vai, longe embora! Que te lembre sempre e agora Que no te amei nunca... ai! no; E que pude a sangue-frio, Covarde, infame, vilo, Gozar-te - mentir sem brio, Sem alma, sem d, sem pejo, Cometendo em cada beijo Um crime... Ai! triste, no chores, No chores, anjo do cu, Que o desonrado sou eu. Perdoar-me tu?... No mereo. A imundo cerdo voraz Essas prolas de preo No as deites: capaz De as desprezar na torpeza De sua bruta natureza. Irada, te h de admirar, Despeitosa, respeitar, Mas indulgente... Oh! o perdo perdido no vilo, Que de ti h de zombar. Vai, vai... para sempre adeus! Para sempre aos olhos meus Sumido seja o claro De tua divina estrela. Faltam-me olhos e razo Para a ver, para entend-la: Alta est no firmamento Demais, e demais bela Para o baixo pensamento Com que em m hora a fitei; Falso e vil o encantamento Com que a luz lhe fascinei. Que volte a sua beleza Do azul do cu pureza, E que a mim me deixe aqui Nas trevas em que nasci, Trevas negras, densas, feias, Como negro este aleijo Donde me vem sangrar s veias, Este que foi corao, Este que amar-te no sabe Porque s terra - e no cabe Nele uma ideia dos cus... Oh! vai, vai; deixa-me, adeus!
Literatura portuguesa II
Tema e assunto tratados; Relao eu/tu; Campos lexicais ligados ideia de terra e cu; Associao terra/cu ao sujeito e ao objeto de enunciao; Tom confessional; Amor espiritual vs amor sensual; Ideal de mulher. Refere-te, ainda, aos seguintes aspetos: Teatralizao do discurso e respetiva exemplificao; Metro, rima e estrofes; Pontuao. vocabulrio; repeties; Outros recursos (fnicos, morfosintcticos e semnticos) 2. Regista as caractersticas romnticas do poema.
OUTRAS LEITURAS
ADEUS J gastmos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou no chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastmos tudo menos o silncio. Gastmos os olhos com o sal das lgrimas, gastmos as mos fora de as apertarmos, gastmos o relgio e as pedras das esquinas em esperas inteis. Meto as mos nas algibeiras e no encontro nada. Antigamente tnhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. s vezes tu dizias: os teus olhos so peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possveis. Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aqurio, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje so apenas os meus olhos. pouco mas verdade, uns olhos como todos os outros. J gastmos as palavras. Quando agora digo: meu amor, j no se passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam s de murmurar o teu nome no silncio do meu corao. No temos j nada para dar. Dentro de ti no h nada que me pea gua. O passado intil como um trapo. E j te disse: as palavras esto gastas. Adeus. Eugnio de Andrade
(1923-2005)
Literatura portuguesa II
O ANJO CADO Era um anjo de Deus Que se perdera dos cus E terra a terra voava. A seta que lhe acertava Partira de arco traidor, Porque as penas que levava No eram penas de amor. O anjo caiu ferido, E se viu aos ps rendido Do tirano caador. De asa morta e sem splendor O triste, peregrinando Por estes vales de dor, Andou gemendo e chorando. Vi-o eu, o anjo dos cus, O abandonado de Deus, Vi-o, nessa tropelia Que o mundo chama alegria, Vi-o a taa do prazer Pr ao lbio que tremia... E s lgrimas beber. Ningum mais na terra o via, Era eu s que o conhecia... Eu que j no posso amar! Quem no havia de salvar? Eu, que numa sepultura Me fora vivo enterrar? Loucura! ai, cega loucura! Mas entre os anjos dos cus Faltava um anjo ao seu Deus; E remi-lo e resgat-lo, Daquela infmia salv-lo S fora de amor podia. Quem desse amor h de am-lo, Se ningum o conhecia? Eu s, - e eu morto, eu descrido, Eu tive o arrojo atrevido De amar um anjo sem luz. Cravei-a eu nessa cruz Minha alma que renascia, Que toda em sua alma pus, E o meu ser se dividia, Porque ela outra alma no tinha, Outra alma seno a minha... Tarde, ai! tarde o conheci, Porque eu o meu ser perdi, E ele vida no volveu... Mas da morte que eu morri Tambm o infeliz morreu.
ANJO S Anjo s tu, que esse poder Jamais o teve mulher, Jamais o h de ter em mim. Anjo s, que me domina Teu ser o meu ser sem fim; Minha razo insolente Ao teu capricho se inclina, E minha alma forte, ardente, Que nenhum jugo respeita, Covardemente sujeita Anda humilde a teu poder. Anjo s tu, no s mulher. Anjo s. Mas que anjo s tu? Em tua fronte anuviada No vejo a c'roa nevada Das alvas rosas do cu. Em teu seio ardente e nu No vejo ondear o vu Com que o sfrego pudor Vela os mistrios d'amor. Teus olhos tm negra a cor, Cor de noite sem estrela; A chama vivaz e bela, Mas luz no tm. - Que anjo s tu? Em nome de quem vieste? Paz ou guerra me trouxeste De Jeov ou Belzebu? No respondes - e em teus braos Com frenticos abraos Me tens apertado, estreito!... Isto que me cai no peito Que foi?... - Lgrima? - Escaldou-me... Queima, abrasa, ulcera... Dou-me, Dou-me a ti, anjo maldito, Que este ardor que me devora j fogo de precito, Fogo eterno, que em m hora Trouxeste de l... De donde? Em que mistrios se esconde Teu fatal, estranho ser! Anjo s tu ou s mulher?
TPICOS - Nvel Fnico - Nvel Morfossinttico - Nvel Semntico - Percurso temtico
(Anjo _ Que Anjo Anjo maldito anjo ou mulher?)
- Tema - Caractersticas Romnticas: - Conceo da mulher; - Subordinao do homem ao poder da mulher; - Parateatralidade ou monlogo dialogado; - Individualismo. - Amor fsico conflituoso.
10
Literatura portuguesa II
Apoio leitura
OS CINCO SENTIDOS
So belas - bem o sei, essas estrelas, Mil cores - divinais tm essas flores; Mas eu no tenho, amor, olhos para elas: Em toda a natureza No vejo outra beleza Seno a ti - a ti! Divina - ai! sim, ser a voz que afina Saudosa - na ramagem densa, umbrosa. ser; mas eu do rouxinol que trina No oio a melodia, Nem sinto outra harmonia Seno a ti - a ti! Respira - n'aura que entre as flores gira, Celeste - incenso de perfume agreste, Sei... no sinto: minha alma no aspira, No percebe, no toma Seno o doce aroma Que vem de ti - de ti! Formosos - so os pomos saborosos, um mimo - de nctar o racimo: E eu tenho fome e sede... sequiosos, Famintos meus desejos Esto... mas de beijos, s de ti - de ti! Macia - deve a relva luzidia Do leito - ser por certo em que me deito. Mas quem, ao p de ti, quem poderia Sentir outras carcias, Tocar noutras delcias Seno em ti! - em ti! A ti! ai, a ti s os meus sentidos Todos num confundidos, Sentem, ouvem, respiram; Em ti, por ti deliram. Em ti a minha sorte, A minha vida em ti; E quando venha a morte, Ser morrer por ti.
estrofes Sentidos do corpo Sensaes despertadas
1. Atente no ttulo do poema. 1.1. Relacione-o com cada uma das estrofes. 1.2. Faa um levantamento do campo lexical referente a cada um dos sentidos. 1.3. No arbitrria a ordem das estrofes. Justifique. 1 .4. De que forma a crescente erotizao eu/tu traduzida pelas variaes do refro (a ti .. ./de ti . ../ em ti)? 2. O sujeito potico alterna o saber com o sentir. 2.1. Demonstre-o com expresses do texto. 2.2. Prevalece o saber ou o sentir? 2.3. Indique, exemplificando no texto, em que recurso estilstico se apoia a confuso de sentidos)}. 2.4. Que tipo de amor se canta no poema? 3. A presena do rouxinol constitui um aviso que o eu potico ignora. Porqu? (No esquea que o rouxinol tem, na literatura portuguesa, uma simbologia prpria.) 4. Contra o rigor clssico, o poema reflete influncias conscientes do lirismo medieval e da poesia popular. Verifique-o: - no paralelismo de construo; - no uso do refro; - na utilizao da rima; - na linguagem simples e direta. 5. Saliente, ainda, outros recursos caractersticos da poesia de Garrett. (Veja, entre outros, o uso dos sinais de pontuao, a colocao dos adjetivos, o recurso sinestesia, a rima interna e a mtrica variada.)
Elementos da natureza
conotaes
Percurso lricoertico
1 2 3 4 5 6
11
GOZO E DOR
Se estou contente, querida, Com esta imensa ternura De que me enche o teu amor? No. Ai no; falta-me a vida; Sucumbe-me a alma ventura: O excesso de gozo dor. Di-me alma, sim; e a tristeza Vaga, inerte e sem motivo, No corao me poisou. Absorto em tua beleza, No sei se morro ou se vivo, Porque a vida me parou. que no h ser bastante Para este gozar sem fim Que me inunda o corao. Tremo dele, e delirante Sinto que se exaure em mim Ou a vida ou a razo.
12
Literatura portuguesa II
NO TE AMO
No te amo, quero-te: o amar vem d'alma. E eu n'alma --- tenho a calma, A calma --- do jazigo. Ai! no te amo, no. No te amo, quero-te: o amor vida. E a vida --- nem sentida A trago eu j comigo. Ai, no te amo, no! Ai! no te amo, no; e s te quero De um querer bruto e fero Que o sangue me devora, No chega ao corao. No te amo. s bela; e eu no te amo, bela. Quem ama a aziaga estrela Que lhe luz na m hora Da sua perdio? E quero-te, e no te amo, que forado, De mau feitio azado Este indigno furor. Mas oh! no te amo, no. E infame sou, porque te quero; e tanto Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror... Mas amar!... no te amo, no.
Apoio leitura
1. O poema constri-se a partir de uma frase antittica inicial que se repete e se desdobra, revelando a existncia de um drama psicolgico do poeta. Em que consiste esse drama? 2. Refira-se relao eu/tu, privilegiando: - o retrato de mulher que o Tu corporiza; - os sentimentos que o eu potico deixa transparecer; - o valor da repetio insistente de ({No te amo, quero-te}); - o tipo de amor para que o poema nos remete. 3. Explique de que forma a estrutura do poema ajuda a sua compreenso. 4. Surpreenda, na 4 estrofe, algumas das figuras de estilo recorrentes na poesia de Garrett. 5. Registe, atentando na forma e no contedo, as caractersticas romnticas do poema.
13
Literatura portuguesa II
DESTINO
Quem disse estrela o caminho Que ela h de seguir no cu? A fabricar o seu ninho Como que a ave aprendeu? Quem diz planta --- Floresce! E ao mudo verme que tece Sua mortalha de seda Os fios quem lhos enreda? Ensinou algum abelha Que no prado anda a zumbir Se flor branca ou vermelha O seu mel h de ir pedir? Que eras tu meu ser, querida, Teus olhos a minha vida, Teu amor todo o meu bem... Ai! no mo disse ningum. Como a abelha corre ao prado, Como no cu gira a estrela, Como a todo o ente o seu fado Por instinto se revela, Eu no teu seio divino Vim cumprir o meu destino... Vim, que em ti s sei viver, S por ti posso morrer.
SEUS OLHOS
Seus olhos se eu sei pintar O que os meus olhos cegou No tinham luz de brilhar, Era chama de queimar; E o fogo que a ateou Vivaz, eterno, divino, Como facho do Destino.
1. Que caractersticas do olhar da amada so destacadas pelo sujeito potico? 2. Explica a oposio estabelecida entre luz de brilhar e chama de queimar. 3. Que tipo de sensaes/emoes se associam a cada uma destas expresses? 4. Tendo em conta que os olhos so o espelho da alma, que sentimento denunciam os olhos da mulher amada? 5. Qual a palavra usada pelo sujeito potico para se referir a esse sentimento? 5.1. Identifique o recurso estilstico a presente. 6. O momento do encontro dos olhares foi decisivo na vida do sujeito potico. Que consequncias teve para ele? 7. Estabelece a relao de ideias que existe entre facho do destino e fatal poder. 8. Consideras que este poema de Folhas Cadas ilustrativo da conceo romntica do Amor e Mulher? Justifica a sua resposta.
Divino, eterno! e suave Ao mesmo tempo: mas grave E de to fatal poder, Que, um s momento que a vi, Queimar toda alma senti... Nem ficou mais de meu ser, Seno a cinza em que ardi.
14
Literatura portuguesa II
BARCA BELA
Pescador da barca bela, Onde vais pescar com ela, Que to bela, pescador? No vs que a ltima estrela No cu nublado se vela? Colhe a vela, pescador! Deita o lano com cautela, Que a sereia canta bela... Mas cautela, pescador! No se enrede a rede nela, Que perdido remo e vela S de v-la, pescador! Pescador da barca bela, Inda tempo, foge dela, Foge dela, pescador! 1.1. A quem se dirige o eu potico? 1.2. Elabore o campo lexical dos termos referentes atividade piscatria (verbos e nomes). 1.3. Que aviso encerra o texto? 1.4. Que atmosfera se evoca no poema? 2. A linguagem do poema est, contudo, longe de ser apenas denotativa. 2.1. Indique o tipo de relao presente em: - No cu nublado se vela [de encobrir; lat: velare] /recolhe a vela [de vela de barco; lat: vela] ... - ... barca bela ... /Que to bela/ ... a sereia canta bela... 2.2. Saliente o valor conotativo de bela aplicado a barca e a sereia. (Note que barca e sereia tm uma simbologia prpria). 3. Pescador e sereia integram-se no discurso figurado de que o texto se socorre. 3.1. Estamos em presena de que figura de estilo? 3.2. Refira, agora, o sentido de pescador e de sereia. 3.3. Os verbos que destacou em 1.2. que novos significados adquirem? 3.4. Refira-se ao valor conotativo do verbo cantar em a sereia canta bela. 3.5. Reelabore o aviso formulado em 1.3. 3.6. Relacione esse aviso com a temtica dos dois poemas da pgina 126. 4. Faa o estudo formal deste poema, destacando: - influncias recebidas da lrica medieval e da poesia popular; - a importncia do imperativo e do vocativo; - os jogos de sons. 5. Indique de que modo este poema se insere na problemtica das Folhas Cadas.
15
Literatura portuguesa II
ROSA E LRIO
A rosa formosa; Bem sei. Por que lhe chamam flor Damor No sei. A flor, Bem de amor o lrio; Tem mel no aroma, - dor Na cor O lrio. Se o cheiro fagueiro Na rosa. Se de beleza mor Primor A rosa, No lrio O martrio Que meu Pintado vejo: - cor E ardor o meu A rosa famosa Bem sei... E ser de outros flor Damor No sei.
Smbolos Rosa Lrio Qualidades Formusura Aroma Agradvel Elementos Comuns Aroma Cor (dor) Mel no aroma Dor na cor Cor e ardor Dor (amor) Elementos Diferentes Cor (beleza) Senses Sinestticas Cheiro fagueiro Simbologia Amor
Lrio Eu -----------------------
tu
----------------------- TU Rosa
Eu
1. Aps a leitura deste quadro, explica como este texto um poema de amor, embora no o parea. 2. A ltima estrofe permite fazer a ligao deste amor mulher inspiradora confessa dos poemas deste livro. Como? 3. Alternado a presena dos dois smbolos, nota-se claramente que a dinmica do poema gira volta do smbolo Rosa, sendo o eu fascinado por esta. Para compreenderes tal facto, seleciona os elementos seguintes: nmero de estrofes atribudas aos dois smbolos, a pontuao usada na ltima estrofe e, dentro desta, o 4 verso. 4. Todo o poema a expresso potica dum devaneio sentimental. A sua modernidade advm-lhe do uso original da mtrica, da pontuao, das imagens poticas, da extraordinria sensao de leveza e prazer que nos causa a sua leitura. Comenta estes aspetos.
Paula Cruz - cercarte.blogspot.com
16
Literatura portuguesa II
Caractersticas do Romantismo
1. Quanto ao pblico que l
a) Democratizao. Deixa a nova literatura de ser s para reis, para fidalgos ou para crculos fechados de eruditos e torna-se a literatura do povo. O livro de cordel, o jornal, o romance picaresco, at mesmo o D. Quixote de Cervantes tinham arroteado o caminho a seguir pela obra romntica, entusiasmando a burguesia. Para esta classe, vida de ler, se destina a literatura do Romantismo. Os burgueses que vo ser os seus consumidores mais assduos. O povo humilde continuar analfabeto. [...] Mas pelo menos curioso constatar que a poesia das dcadas de 840 e 850 e sobretudo a ultrarromntica invadiu infrene o interior das famlias burguesas, ficando profundamente ligada ao mundanismo, vida cvica: escreviam-se versos em lbuns, acompanhavam-se poemas a canto e piano nos sales, havia recitais poticos em festas de beneficncia e patriticas, promoviam-se saraus literrios. Foi por este motivo que se assistiu ento a uma tpica aculturao da mulher burguesa com a aprendizagem da lngua francesa e da msica.
2.
Vai notar-se o predomnio da emoo, do sentimento sobre a razo e o esprito ordenador dos clssicos; isto , vai sobrepor-se o culto do eu e dos direitos do corao s imposies orientadoras da inteligncia (reao contra o racionalismo clssico).
3.
17
Literatura portuguesa II
um todo com ela e com ela identificando o seu estado de esprito. Ela como que se transfigura em smbolos. O poeta romntico tem com ela uma espcie de contacto sensual que quase o leva ao xtase.
4.
a) Independncia criativa.
O gnio criador agora no pode estar sujeito a normas frreas, como eram as da esttica clssica. Essas normas so totalmente banidas, pois convertem a arte num puro mecanismo. O escritor romntico voa nas asas da imaginao, dos seus sentimentos e instintos. Criar obra estritamente pessoal. No admite mais a diviso dos gneros clssicos. Com exceo do soneto, que conserva, inventa novos agrupamentos estrficos. Ope-se tenazmente imitao paradigmtica dos escritores gregos e romanos.
18
Literatura portuguesa II
(Cfr. Virgnia Mota, Manual de Histria da Literatura Portuguesa, 2 edio, Lisboa, pg. 169). Barreiros, Antnio Jos, HISTRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13 edio, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992
19