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Supremocracia
DIOGO CHIUSO 16 ABRIL 2024 | 3min de leitura

Num evento no Rio de Janeiro, o ministro Alexandre de Moraes afirmou


que “a Constituição não garante uma liberdade de expressão como
liberdade para agressão, discurso de ódio, ou para discurso contra a
democracia”. E ele está coberto de razão. Mas nossa Carta Magna
também não garante censura prévia, inquéritos com prazo
indeterminado e sem grau de jurisdição e muito menos obstáculos
burocráticos para que os advogados não tenham acesso aos autos para
saber quais as acusações feitas a seus clientes.

Há um certo incômodo com o protagonismo político exercido pelo STF


na última década. No vácuo deixado pelos outros Poderes, incapazes de

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oferecer respostas à corrupção, à impunidade, às injustiças e


desigualdades sociais do nosso país, o Supremo Tribunal Federal foi
ampliando sua ação no campo das políticas públicas, a partir do papel
determinado à Corte pela Constituição de 88, que não trata apenas de
princípios, mas de inúmeras regulamentações políticas, sociais,
administrativas e econômicas. As disputas entre os Poderes Executivo e
Legislativo também passaram a ser travadas no plenário da Suprema
Corte, dando muitas vezes ao STF um papel de poder moderador, algo
que não está previsto no texto constitucional.

Provavelmente a consagração do STF como protagonista político tenha


se dado com a Ação Penal 470, o julgamento do mensalão, quando os
ministros se tornaram personalidades recorrentes no noticiário político
brasileiro. Com quase toda a classe política comprometida com os
escândalos de corrupção, as pessoas passaram a depositar suas
esperanças nos magistrados, que, à época, eram vistos como super-
heróis, como ocorreu com o ministro Joaquim Barbosa, retratado com
sua longa capa preta, e também o juiz Sergio Moro, transformado em
boneco inflável com as roupas do Superman.

Mas os escândalos de corrupção chegaram ao Supremo após o


impeachment de Dilma Rousseff, com o “grande acordo nacional para
estancar a sangria”, proclamado pelo ex-senador Romero Jucá. Então, o
próprio STF tornou-se alvo da Operação Lava Jato, com alguns ministros
sendo expostos em relações políticas nem sempre republicanas.

Muitos argumentam que a situação do país era grave o bastante para


taparmos os olhos — e o nariz — às decisões “excepcionalíssimas”,
como classificou a nossa ilustre ministra Cármen Lúcia no julgamento do
TSE em 2022 que inaugurou a temporada de “experimentação
regulatória” e restaurou a censura prévia no Brasil. Para preservar o que

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ainda restava da nossa democracia, alegaram que deveríamos abrir mão


do pouco que restava de segurança jurídica.

E é realmente um paradoxo. Porque, no fundo, sabemos que todos os


ministros têm bom senso e bom coração. Obviamente não existem
motivos políticos nas suas deliberações, só a ânsia de fazer justiça. O
problema somos nós, povo desconfiado que, diante de tanta boa vontade,
acaba sempre deixando margem para insinuações maldosas. Para o
nosso bem, diversos julgamentos foram anulados a partir de um novo
expediente jurídico, a “competência fluida”, na qual se fixa e se muda o
juiz natural conforme a conveniência do momento. O conceito é elástico
o bastante para garantir a impunidade a diversos réus confessos que,
claro, já se arrependeram de seus crimes e estão encorajados a nunca
mais sucumbirem à tentação de surrupiarem os cofres públicos. Na
verdade, foram apenas vítimas da degradação moral que se tornou a
política brasileira; afinal, se Hobbes nos ensina que o homem é o lobo do
homem, Rousseau que a sociedade nos corrompe e Maquiavel que o
homem que se presume bom arruína-se entre os que não são, quem
somos nós para discordar?

Mas, na verdade, um país civilizado é aquele que pune os criminosos e


protege os cidadãos, embora o Brasil tenha sempre escolhido o contrário,
usando e abusando de uma liberdade para interpretar o caput do artigo
5º da Constituição, que pretende estabelecer que “todos são iguais
perante a lei”. Na realidade, a cada julgamento anulado, aumenta-se o
abismo entre os privilegiados e aqueles que pagam pelos privilégios. Já
dizia Sólon, o grande estadista da antiga Atenas: “as leis são como teias
de aranha: boas para capturar mosquitos, mas os insetos maiores
conseguem escapar de sua trama”. O Brasil, incorrigível, parece já não
ter mais leis, aranhas e nem mesmo teias.

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Diogo Chiuso é escritor e autor do livro “O que Restou da Política”,


publicado pela editora Noétika em 2022.

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